quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Flexibilização

DÁRCIO GUIMARÃES DE ANDRADE

Juiz Vice-Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (Minas Gerais).

Flexibilização é a palavra do momento e o aparecimento desse novo elemento da relação de trabalho deu-se na Europa, no início dos anos 80, época de recessão. Mas as razões do aparecimento da flexibilização remontam à Revolução Francesa, que consagrou o liberalismo, contrário à intervenção do Estado na vida econômica e social, bem como ao desenvolvimento do comunismo e do paternalismo estatal.
As críticas ao liberalismo extremado e ao radicalismo das correntes ideológicas comunistas levaram ao que se denomina flexibilização, pois hoje, ao contrário do passado, os trabalhadores não se sujeitam mais a condições uniformes de trabalho. Segundo Magano,(1) a flexibilização significa o contrário do paternalismo, sendo, pois, o caminho para a redenção do trabalhador na condição de incapaz em que o colocaram.
Flexibilizar é tornar maleável. É a capacidade dos indivíduos de renunciar a seus costumes e adaptar-se às novas circunstâncias do mercado de trabalho. Traduz-se pelo uso de instrumentos jurídicos que permitam adaptar as relações de trabalho às flutuações econômicas, às alterações econômicas na ordem social e às constantes inovações tecnológicas. A legislação vigente vai despir-se, então, da sua rigidez tradicional, e as deficiências existentes na norma serão contornadas com a lógica e o bom senso.
Vivemos em uma crise da economia global, que exige sacrifícios dos trabalhadores e empresários. Há, ainda, a necessidade cada vez maior de se compatibilizar a prestação de serviços e o funcionamento das empresas, que se robotizaram. A finalidade é uma só: a melhora de vida do trabalhador. A solução que se aponta é a flexibilização.
Podemos encontrar contornos da flexibilização na cláusula "rebus sic standibus", que possibilita ajustes do contrato na hipótese de mudança das condições sociais e econômicas.
Na CLT, há previsão, no art. 503, para momentos difíceis na empresa e casos de força maior. Mas tal artigo foi tacitamente revogado, pois admitia a redução entre as partes, quando, hoje, pela Constituição, a participação sindical é obrigatória, pena de nulidade. Aliás, pelo art. 8º, IV, da Constituição, o Sindicato não pode recusar-se a negociar, ainda que não tenha sucesso.
Na Constituição Federal, como exemplo, temos o art. 7º, em seus itens VI, XIII, XIV e XXVI, ensejando a flexibilização de modo claro.
A antiga Lei nº 4.923/65 também é exemplo de flexibilização, pois, ao permitir a redução de jornada mediante acordo com o sindicato, foi contra o princípio da inalterabilidade in pejus das regras estabelecidas em contrato.
O objetivo da flexibilização é a garantia de emprego, embora com redução de direitos trabalhistas. Visa preservar a saúde da empresa que vive problemas econômicos, reduzindo custos e adaptando a força de trabalho às necessidades do empregador.
Alguns a consideram um fenômeno milagroso, capaz de acabar com todos os males que giram em torno de uma relação trabalhista. Outros vislumbram um atentado aos direitos dos trabalhadores, principais atingidos com o fenômeno da flexibilização. Por certo, a renúncia do direito existe para preservar outro direito mais importante. Mas, se imprescindível tal renúncia, esta não pode ser só do empregado.
Os efeitos da crise econômica, que assola o mundo, são desastrosos. No âmbito da relação de trabalho, foi grande o aumento do número de desempregados, com incremento das formas precárias de contratação e arrocho salarial. No campo da robótica e informática, a conseqüência é a necessidade cada vez menor de mão de obra para a execução dos mesmos serviços do passado.
O uso do computador causou grande impacto no mercado de trabalho, facilitando sobremaneira o serviço a ser prestado. Mas não só as mudanças econômicas e tecnológicas tiveram efeito direto na estrutura do emprego. A era do trabalho manual, feito exclusivamente pelo sexo masculino, que ingressava muito jovem no mercado, é modelo de várias décadas atrás. Hoje o trabalho da mulher é equivalente ao do homem e, em função da escolaridade, o ingresso no mercado de trabalho se dá um pouco mais tarde. Já as mulheres conciliam atividade profissional com as responsabilidades familiares. Surge a figura do trabalho "part time"– principal forma de flexibilização na maioria dos países industrializados –, do trabalho em domicílio e do "tele trabalho", possibilidade criada pelo uso do computador.
Há várias formas de se flexibilizar: modernizando a legislação, suprimindo ou acrescentando-lhe dispositivos, oferecendo alternativas para a solução dos problemas existentes e incentivando a negociação.
O ideal é negociar, e ninguém melhor do que as próprias partes para regularem as relações de trabalho. Mas, na prática, o que ocorre é que empregado e empregador não se encontram em um mesmo nível de negociação. Para um país tradicionalmente legalista, como o Brasil, a negociação entre as partes pode trazer receio de algum prejuízo ao economicamente fraco. A ausência de regras protetoras poderá ter resultados danosos a médio e longo prazo.
A flexibilização na Europa, em especial nos países de economia mais tradicional, como a Espanha, França, Inglaterra e Alemanha, somente se deu peIa participação ativa de sindicatos representativos das classes e mútua cooperação. No Brasil, infelizmente, ainda não existe uma cultura sindical. Falta a confiabilidade. O que se vê, com freqüência, são sindicatos endinheirados, mas assembléias vazias. Falta a representatividade.
Os principais alvos da flexibilização são: o modelo clássico de contrato de emprego, o salário e o procedimento de despedida.
O modelo clássico de contrato é aquele por tempo indeterminado, em caráter estável, ensejando melhorias em função da antigüidade no emprego e do aperfeiçoamento dos serviços prestados pelo empregado. O contrato tradicional assegura, ainda, benefícios previdenciários na doença, na velhice e em caso de acidentes de trabalho.
Em tempos gloriosos, a legislação outorgou inúmeras garantias aos trabalhadores, as quais representaram um acréscimo salarial. Com a flexibilização, vieram as mudanças. O contrato por prazo determinado passa a ser mais atraente, haja vista a recente Lei nº 9.601/98. Mas outras alterações do contrato trouxeram profundos reflexos à vida do trabalhador. Alguns exemplos:

a) não há mais previsão de reajustes pela lei. A negociação é a via para se obter qualquer acréscimo salarial;
b) pela Lei nº 9.300/96 a casa do rural não gera reflexos;
c) os novos Enunciados do Colendo TST, como o de número 331 que, revendo o Enunciado nº 256, ampliou o leque de prestação de serviços por terceiros; cite-se, também, o Enunciado 342, que admite descontos no salário sem que haja violação ao princípio da intangibilidade do art. 462/CLT;
d) vários precedentes normativos do TST, que concediam vários direitos aos trabalhadores, foram cancelados. Mas nem todas as mudanças foram mal vistas pelo trabalhador. Cite-se, por exemplo, a Portaria nº 3.281/84, que autorizou o pagamento por crédito em conta corrente ou cheque, e que revelou, na época, a modernização da legislação.

No procedimento de despedida, o exemplo maior de flexibilização é o FGTS, que acabou com a estabilidade e tornou mais fácil a dispensa do obreiro.
Na jurisprudência, a aplicação é cada vez maior. Veja-se o acórdão TRT 3ª Reg., RO 10056/94, de 22/08/94, Rel.: Juiz Paulo Roberto SifuentEs Costa, publicado na Revista LTr 59-03/95, assim ementado:

"Instrumentos normativos. Teoria de flexibilização. A proteção dos trabalhadores não se faz apenas pela imposição da observância rígida aos preceitos de leis, que regem as relações de emprego, mas, sobretudo pela proteção de seu maior direito, que é o Direito ao Trabalho, sendo esta a tendência de pensamento universal consubstanciada na Teoria da Flexibilização."


Mas falta ainda muito para se desemperrar a máquina judiciária com decisões céleres e progressistas. Algumas sugestões seriam:

a) o aumento dos valores a título de depósito recursal;
b) o efeito vinculante das súmulas;
c) nas Juntas, ao invés da conciliação ser feita pelo juiz, esta caberia aos juízes classistas e o juiz atuaria somente na instrução e julgamento do feito, o que aceleraria em muito as decisões. A flexibilização traz, pois, vantagens e desvantagens para ambas as partes de uma relação de emprego. Citem-se algumas:

Vantagem para os empregados: mantém o emprego, propiciando o recebimento de salário mensal, necessário à subsistência própria e da família. Desvantagem para os empregados: reduz direitos trabalhistas, diminuindo o padrão de vida dos trabalhadores.

Vantagens para o empregador: a flexibilização preserva a saúde da empresa que vive em má situação financeira, pois alivia os custos salariais, possibilitando a concorrência, sem prejuízo da produção, que é incrementada pela automação; acaba com o protecionismo em favor do trabalhador; amplia o jus variandi do empregador.

Desvantagem para o empregador: em caso de um quadro econômico e social favorável, a flexibilização irá elevar as bases salariais e as vantagens concedidas aos trabalhadores. Como se vê, as vantagens para a classe econômica são maiores. A conclusão, pois, é que a flexibilização é viável, desde que seu objetivo seja de minimizar os sofrimentos e as dificuldades por que passam os trabalhadores. As mudanças surgem a cada dia e, com o aparecimento de novas relações e situações, há que estar presente a idéia de flexibilização, como verdadeiro princípio informativo do Direito do Trabalho.

Nota:

1) MAGANO, Octávio Bueno. "O Direito do Trabalho e as Tendências Neoliberais". In Revista Synthesis 16/93, pp. 49/51.

Retirado de: http://www.genedit.com.br/2rdt/rdt77/estudos5.htm

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