segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Jornalista de TV Saudita é condenada a 60 chicotadas

Extraído de: G1 - Globo.com - 24 de Outubro de 2009

Ela trabalhou em canal que levou ao ar confissões sexuais de entrevistado. Ele foi condenado recentemente a mil chicotadas e a 05 anos de cadeia.

Um tribunal da Arábia Saudita condenou uma jornalista de TV a 60 chicotadas após um canal da televisão libanesa para o qual ela trabalhou (e que transmite para a Arábia Saudita) levou ao ar confissões sexual de um homem saudita. As informações são da própria repórter condenada e de um advogado. Rosana, de 22 anos, não quer que seu nome completo seja divulgado. Ela afirmou que uma corte em Jeddah a sentenciou neste sábado (24) alegando que a Lebanese Broadcasting Corporation (LBC), TV internacional para a qual prestou serviços, não tem a devida autorização para operar no reino islâmico.

A decisão de hoje segue a condenação a 05 anos de cadeia e a mil chicotadas, decidida no início deste mês pelo mesmo tribunal, de Mazen Abdul-Jawad. Foi ele quem apareceu em um programa da LBC, chamado "In Bold Red", falando sobre sexo. O programa disseminou controvérsia no país, aliado dos Estados Unidos e um dos mais conservadores do mundo, com forte influência e controle de clérigos muçulmanos sobre todos os aspectos da vida.
"Eu não tive nada a ver com a apresentação de Mazen Abdul-Jawad", defendeu-se a
jornalista. "O veredicto é só porque eu cooperei com a LBC."
Os estúdios da LBC, um canal popular na Arábia Saudita, foram lacrados por autoridades sauditas depois do programa. O bilionário Alwaleed bin Talal, príncipe do reino saudita, é acionista da televisão.

Ninguém no tribunal foi localizado para falar em nome do Judiciário. Um porta-voz do Ministério da Informação, não quis comentar o caso. "É a primeira vez em que um jornalista foi julgado em uma corte de jurisdição sumária por uma ofensa relativa à natureza de sua profissão", afirmou Sulaiman al-Jumaie, o advogado que defendeu Abdul-Jawad.

Jawad, divorciado e pai de quatro filhos, terá de submeter-se a tratamento psiquiátrico por sua ousadia e, após cumprir sua pena, não poderá sair do país por outros cinco anos. Além disso, cinco amigos de Jawad, três dos quais aparecem no vídeo mostrado no programa, também foram declarados culpados. Eles "confessaram" diante das câmeras que, para eles, o sexo era uma parte muito importante de suas vidas, passarão dois anos na prisão e receberão 300 chicotadas cada um.

No programa, Jawad conta que teve sua primeira relação sexual com uma vizinha quando tinha 14 anos e mostra os preservativos que guarda em uma gaveta em seu quarto. Além disso, em um carro esportivo vermelho, conta sua técnica para ligar para outros países onde o sexo não é tabu como na Arábia Saudita.

Autor: Do G1, com informações da Reuters e da Agencia EFE

domingo, 25 de outubro de 2009

Rescisão contratual: quitação não é irrestrita, diz TST

A Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho garantiu a ex-empregada do Banco Santander Brasil S.A. o direito de provar que adquiriu doença profissional durante a prestação de serviços à empresa, ainda que a doença tenha sido constatada após o fim do contrato. A Turma acompanhou, por unanimidade, o voto do relator e presidente do colegiado, ministro Barros Levenhagen, e determinou o retorno do processo ao Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região (CE) para examinar a matéria.
Na interpretação do relator, a quitação passada pela empregada, mesmo que sem nenhuma ressalva e com assistência do sindicato da categoria, não é irrestrita. Segundo o ministro, se a empregada não tinha conhecimento de que sofria de lesão por esforço repetitivo (LER) no tempo da rescisão, o Regional não poderia imprimir efeito liberatório total ao termo de quitação, sem antes verificar a existência do direito da trabalhadora à estabilidade provisória de doze meses por motivo de doença profissional, nos termos do artigo 118 da Lei nº 8.213/91.
O TRT cearense confirmou a sentença que reconhecera efeito amplo e irrestrito ao termo de rescisão contratual. De acordo com o Regional, como o laudo pericial da Previdência Social apontou o início da doença aproximadamente três meses após a rescisão contratual, não se sustentava o pedido da empregada de reintegração no emprego (estabilidade especial) por doença profissional.
Entretanto, pela análise do recurso de revista da empregada, o relator verificou que o TRT não se manifestara sobre a existência do direito à estabilidade provisória, embora tenha admitido a correlação entre a doença profissional e o contrato de trabalho. Desse modo, no entender do ministro Levenhagen, era preciso que o TRT se pronunciasse conclusivamente sobre o direito da trabalhadora.
A decisão da Quarta Turma de determinar o retorno do processo ao TRT, e não à Vara do Trabalho de origem, deveu-se ao fato de a ação ter sido julgada improcedente em primeiro grau, cabendo ao Regional, portanto, a tarefa de prosseguir no exame do recurso ordinário da trabalhadora. (RR-2399/2001-007-00.9) (Lilian Fonseca)

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Flexibilização

DÁRCIO GUIMARÃES DE ANDRADE

Juiz Vice-Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (Minas Gerais).

Flexibilização é a palavra do momento e o aparecimento desse novo elemento da relação de trabalho deu-se na Europa, no início dos anos 80, época de recessão. Mas as razões do aparecimento da flexibilização remontam à Revolução Francesa, que consagrou o liberalismo, contrário à intervenção do Estado na vida econômica e social, bem como ao desenvolvimento do comunismo e do paternalismo estatal.
As críticas ao liberalismo extremado e ao radicalismo das correntes ideológicas comunistas levaram ao que se denomina flexibilização, pois hoje, ao contrário do passado, os trabalhadores não se sujeitam mais a condições uniformes de trabalho. Segundo Magano,(1) a flexibilização significa o contrário do paternalismo, sendo, pois, o caminho para a redenção do trabalhador na condição de incapaz em que o colocaram.
Flexibilizar é tornar maleável. É a capacidade dos indivíduos de renunciar a seus costumes e adaptar-se às novas circunstâncias do mercado de trabalho. Traduz-se pelo uso de instrumentos jurídicos que permitam adaptar as relações de trabalho às flutuações econômicas, às alterações econômicas na ordem social e às constantes inovações tecnológicas. A legislação vigente vai despir-se, então, da sua rigidez tradicional, e as deficiências existentes na norma serão contornadas com a lógica e o bom senso.
Vivemos em uma crise da economia global, que exige sacrifícios dos trabalhadores e empresários. Há, ainda, a necessidade cada vez maior de se compatibilizar a prestação de serviços e o funcionamento das empresas, que se robotizaram. A finalidade é uma só: a melhora de vida do trabalhador. A solução que se aponta é a flexibilização.
Podemos encontrar contornos da flexibilização na cláusula "rebus sic standibus", que possibilita ajustes do contrato na hipótese de mudança das condições sociais e econômicas.
Na CLT, há previsão, no art. 503, para momentos difíceis na empresa e casos de força maior. Mas tal artigo foi tacitamente revogado, pois admitia a redução entre as partes, quando, hoje, pela Constituição, a participação sindical é obrigatória, pena de nulidade. Aliás, pelo art. 8º, IV, da Constituição, o Sindicato não pode recusar-se a negociar, ainda que não tenha sucesso.
Na Constituição Federal, como exemplo, temos o art. 7º, em seus itens VI, XIII, XIV e XXVI, ensejando a flexibilização de modo claro.
A antiga Lei nº 4.923/65 também é exemplo de flexibilização, pois, ao permitir a redução de jornada mediante acordo com o sindicato, foi contra o princípio da inalterabilidade in pejus das regras estabelecidas em contrato.
O objetivo da flexibilização é a garantia de emprego, embora com redução de direitos trabalhistas. Visa preservar a saúde da empresa que vive problemas econômicos, reduzindo custos e adaptando a força de trabalho às necessidades do empregador.
Alguns a consideram um fenômeno milagroso, capaz de acabar com todos os males que giram em torno de uma relação trabalhista. Outros vislumbram um atentado aos direitos dos trabalhadores, principais atingidos com o fenômeno da flexibilização. Por certo, a renúncia do direito existe para preservar outro direito mais importante. Mas, se imprescindível tal renúncia, esta não pode ser só do empregado.
Os efeitos da crise econômica, que assola o mundo, são desastrosos. No âmbito da relação de trabalho, foi grande o aumento do número de desempregados, com incremento das formas precárias de contratação e arrocho salarial. No campo da robótica e informática, a conseqüência é a necessidade cada vez menor de mão de obra para a execução dos mesmos serviços do passado.
O uso do computador causou grande impacto no mercado de trabalho, facilitando sobremaneira o serviço a ser prestado. Mas não só as mudanças econômicas e tecnológicas tiveram efeito direto na estrutura do emprego. A era do trabalho manual, feito exclusivamente pelo sexo masculino, que ingressava muito jovem no mercado, é modelo de várias décadas atrás. Hoje o trabalho da mulher é equivalente ao do homem e, em função da escolaridade, o ingresso no mercado de trabalho se dá um pouco mais tarde. Já as mulheres conciliam atividade profissional com as responsabilidades familiares. Surge a figura do trabalho "part time"– principal forma de flexibilização na maioria dos países industrializados –, do trabalho em domicílio e do "tele trabalho", possibilidade criada pelo uso do computador.
Há várias formas de se flexibilizar: modernizando a legislação, suprimindo ou acrescentando-lhe dispositivos, oferecendo alternativas para a solução dos problemas existentes e incentivando a negociação.
O ideal é negociar, e ninguém melhor do que as próprias partes para regularem as relações de trabalho. Mas, na prática, o que ocorre é que empregado e empregador não se encontram em um mesmo nível de negociação. Para um país tradicionalmente legalista, como o Brasil, a negociação entre as partes pode trazer receio de algum prejuízo ao economicamente fraco. A ausência de regras protetoras poderá ter resultados danosos a médio e longo prazo.
A flexibilização na Europa, em especial nos países de economia mais tradicional, como a Espanha, França, Inglaterra e Alemanha, somente se deu peIa participação ativa de sindicatos representativos das classes e mútua cooperação. No Brasil, infelizmente, ainda não existe uma cultura sindical. Falta a confiabilidade. O que se vê, com freqüência, são sindicatos endinheirados, mas assembléias vazias. Falta a representatividade.
Os principais alvos da flexibilização são: o modelo clássico de contrato de emprego, o salário e o procedimento de despedida.
O modelo clássico de contrato é aquele por tempo indeterminado, em caráter estável, ensejando melhorias em função da antigüidade no emprego e do aperfeiçoamento dos serviços prestados pelo empregado. O contrato tradicional assegura, ainda, benefícios previdenciários na doença, na velhice e em caso de acidentes de trabalho.
Em tempos gloriosos, a legislação outorgou inúmeras garantias aos trabalhadores, as quais representaram um acréscimo salarial. Com a flexibilização, vieram as mudanças. O contrato por prazo determinado passa a ser mais atraente, haja vista a recente Lei nº 9.601/98. Mas outras alterações do contrato trouxeram profundos reflexos à vida do trabalhador. Alguns exemplos:

a) não há mais previsão de reajustes pela lei. A negociação é a via para se obter qualquer acréscimo salarial;
b) pela Lei nº 9.300/96 a casa do rural não gera reflexos;
c) os novos Enunciados do Colendo TST, como o de número 331 que, revendo o Enunciado nº 256, ampliou o leque de prestação de serviços por terceiros; cite-se, também, o Enunciado 342, que admite descontos no salário sem que haja violação ao princípio da intangibilidade do art. 462/CLT;
d) vários precedentes normativos do TST, que concediam vários direitos aos trabalhadores, foram cancelados. Mas nem todas as mudanças foram mal vistas pelo trabalhador. Cite-se, por exemplo, a Portaria nº 3.281/84, que autorizou o pagamento por crédito em conta corrente ou cheque, e que revelou, na época, a modernização da legislação.

No procedimento de despedida, o exemplo maior de flexibilização é o FGTS, que acabou com a estabilidade e tornou mais fácil a dispensa do obreiro.
Na jurisprudência, a aplicação é cada vez maior. Veja-se o acórdão TRT 3ª Reg., RO 10056/94, de 22/08/94, Rel.: Juiz Paulo Roberto SifuentEs Costa, publicado na Revista LTr 59-03/95, assim ementado:

"Instrumentos normativos. Teoria de flexibilização. A proteção dos trabalhadores não se faz apenas pela imposição da observância rígida aos preceitos de leis, que regem as relações de emprego, mas, sobretudo pela proteção de seu maior direito, que é o Direito ao Trabalho, sendo esta a tendência de pensamento universal consubstanciada na Teoria da Flexibilização."


Mas falta ainda muito para se desemperrar a máquina judiciária com decisões céleres e progressistas. Algumas sugestões seriam:

a) o aumento dos valores a título de depósito recursal;
b) o efeito vinculante das súmulas;
c) nas Juntas, ao invés da conciliação ser feita pelo juiz, esta caberia aos juízes classistas e o juiz atuaria somente na instrução e julgamento do feito, o que aceleraria em muito as decisões. A flexibilização traz, pois, vantagens e desvantagens para ambas as partes de uma relação de emprego. Citem-se algumas:

Vantagem para os empregados: mantém o emprego, propiciando o recebimento de salário mensal, necessário à subsistência própria e da família. Desvantagem para os empregados: reduz direitos trabalhistas, diminuindo o padrão de vida dos trabalhadores.

Vantagens para o empregador: a flexibilização preserva a saúde da empresa que vive em má situação financeira, pois alivia os custos salariais, possibilitando a concorrência, sem prejuízo da produção, que é incrementada pela automação; acaba com o protecionismo em favor do trabalhador; amplia o jus variandi do empregador.

Desvantagem para o empregador: em caso de um quadro econômico e social favorável, a flexibilização irá elevar as bases salariais e as vantagens concedidas aos trabalhadores. Como se vê, as vantagens para a classe econômica são maiores. A conclusão, pois, é que a flexibilização é viável, desde que seu objetivo seja de minimizar os sofrimentos e as dificuldades por que passam os trabalhadores. As mudanças surgem a cada dia e, com o aparecimento de novas relações e situações, há que estar presente a idéia de flexibilização, como verdadeiro princípio informativo do Direito do Trabalho.

Nota:

1) MAGANO, Octávio Bueno. "O Direito do Trabalho e as Tendências Neoliberais". In Revista Synthesis 16/93, pp. 49/51.

Retirado de: http://www.genedit.com.br/2rdt/rdt77/estudos5.htm

TST Nega o Jus Postulandi

Extraído de: OAB - Rio de Janeiro - 22 horas atrás

O pleno do Tribunal Superior do Trabalho (TST) negou, ontem, por 17 votos a 7, o jus postulandi em matérias que tramitam na corte. A prática consiste na atuação de uma das partes no processo, em causa própria, sem a representação de um advogado.
Ela tem sido usada nas varas do Trabalho, onde começam os processos, e nos tribunais regionais do Trabalho, locais em que são apreciados os Recursos Ordinários. A partir daí, quando há recurso ao TST, não mais estão em discussão aspectos relacionados com os fatos e provas da ação, mas sim questões técnicas e jurídicas do processo. O que esteve em discussão ontem foi exatamente a possibilidade de a parte continuar a atuar em causa própria no TST.
A matéria já havia sido votada pela Seção Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1), quando o então relator, ministro Milton de Moura França, atual presidente do tribunal, manifestou-se pela impossibilidade de adotar o jus postulandi no âmbito do TST. O Ministro Brito Pereira abriu divergência e foi seguido por outros colegas da SDI-1. Com isso, a discussão acabou sendo remetida ao pleno, por sugestão do ministro Vantuil Abdala. Ele propôs a votação de um incidente de uniformização de jurisprudência, instrumento pelo qual o TST adota um posicionamento único sobre determinado assunto.
No pleno, coube ao ministro Brito Pereira assumir a relatoria. Ele manteve seu entendimento, adotado na SDI-1, ou seja, a favor do jus postulandi no TST. Prevaleceu, no entanto, o voto em sentido contrário, do ministro João Oreste Dalazen, vice-presidente do TST.
OAB Nacional
O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, afirmou ontem que a advocacia conseguiu derrubar no voto uma das maiores anomalias, um dos maiores absurdos que ainda existiam no Brasil moderno: o jus postulandi, que permitia à parte recorrer ao Tribunal Superior do Trabalho (TST) desacompanhada de um advogado. Britto cumprimentou o diretor do Conselho Federal da OAB, Ophir Cavalcante Junior, pela atuação no pleno do TST em favor da exclusão desse mecanismo e afirmou: prevaleceu a Justiça.
Na avaliação do presidente nacional da OAB, não se pode admitir, em um Brasil que luta para acabar com as diferenças, que o Judiciário favoreça a desigualdade. Não se pode abandonar o mais necessitado, obrigando-o a buscar Justiça com as próprias mãos perante um poder que tem regras próprias e procedimentos que exigem qualificação técnica, explicou.
Ainda segundo Cezar Britto, a decisão do TST não poderia ser diferente, pois garante ao cidadão o amplo direito de defesa no Brasil democrático.
Antes da votação, Britto chegou a afirmar que o jus postulandi fere a Constituição Federal, que garante a assistência de um advogado para todas as pessoas. Para ele, se o TST fosse favorável à dispensa desse profissional, a decisão poderia fazer com que o poder econômico prevalecesse no julgamento das causas trabalhistas.
A Constituição de 1988 estabeleceu como indispensável o advogado nos processos, o que foi reforçado pelo Estatuto do Advogado (Lei 8.906). É engraçado ver que a assistência de um advogado é admitida nos dois ramos da Justiça em que as diferenças de classes se tornam mais evidente: na Justiça do Trabalho e nos juizados especiais, considerou.

Autor: Do Jornal do Comércio

terça-feira, 13 de outubro de 2009

A Flexibilização e as Relações de Trabalho

Por: Flávio Messias Carvalho, estudante 1º Período de Direito – pela Faculdade de Direito de Ipatinga - Fadipa

1 – Considerações Iniciais
O momento econômico-social pelo qual a sociedade globalizada está passando e a necessidade constante de aprimoramento dos métodos de produção, impelindo as organizações empresariais para buscarem redução de custo no processo produtivo, a fim de garantir sua subsistência num mercado competitivo força, invariavelmente, para a tentativa de diminuição das suas despesas correntes de produção, nesta se incluindo o decrescimento da margem de contribuição sobre o quadro de pessoal – folha de pagamento -, bem como a menor intervenção estatal nas negociações e condições de trabalho.
É a chamada flexibilização, que não pode ser confundida com desregulamentação. Entretanto, deve observar normas mínimas para ser garantida pelo menos a dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Assim, a flexibilização deve decorrer de um processo democrático e humanista, a fim de não gerar na sociedade disparidades, contrárias ao fim do Estado Democrático de Direito.
A necessidade de proteção ao trabalhador com vista a se alcançar “justiça social” vem sendo defendida ao longo da história, sucede que o passar dos anos acabou testemunhando a crescente e excessiva rigidez das normas de proteção ao trabalhador de tal maneira que se chegou à necessidade de se flexibilizarem alguns direitos como mecanismo para tornar possível um controle relativo sobre um dos problemas sociais mais graves deste fim de século, o desemprego.
O desemprego, com a explosão e expansão do fenômeno chamado de globalização, passou a ser palco dos mais diversos discursos e debates suscitados nos fóruns mundiais, pois se trata, atualmente, do tema mais dificultoso e complexo que um país tem de enfrentar.
De fato, as entidades governamentais e não governamentais buscam cada vez mais encontrar saída para o desmando do desemprego, amaneira encontrada para muitos foi a flexibilização de nossas leis trabalhistas, entretanto, há muitas controvérsias no tema, pois á vários pontos divergentes a respeito, ou seja, correntes a favor e contra a flexibilização da CLT.
A flexibilização é um tema atual, e tem sido objeto de estudo por parte dos estudiosos do Direito do Trabalho. O tema possui relevância social, pois atinge duas categorias distintas, ou seja, Empregado e o empregador, não é somente uma análise cientifica dos fenômenos da flexibilização, mas também uma análise a respeito dos direitos da personalidade e sua confrontação com a flexibilização das normas trabalhistas e a proibição da “reformatio in pejus”.

2 - O Aparecimento do Direito do Trabalho: Uma questão Social
Adão o primeiro homem trabalhava no Éden, como está escrito no livro de Gênesis 2:15:

“... o Senhor Deus tomou o homem e o colocou no paraíso de delícias para que o
cultivasse e guardasse”.
Na visão hebraica o trabalho era feito para remir o homem de seu pecado e resgatar a dignidade que perdera diante de Deus, pois o homem – Adão – pecou e Deus o expulsou do paraíso, e da terra teria que tirar o sustento com trabalhos penosos durante todos os dias de sua vida.
Porém, na Antiguidade Clássica, no mundo greco-romano destacou-se a escravidão. O escravo não era sujeito de direito, mas uma “res”, que pertencia a o seu amo. Paralelamente com o trabalho escravo, havia principalmente entre os romanos o trabalho em regime de liberdade, como os artesões.
Na época do feudalismo, surgiu a escravidão e a servidão, onde os senhores feudais davam proteção militar e política aos servos, que em troca serviam os senhores feudais em suas terras. Nesta época o trabalho era considerado um castigo.
A partir do século X surgiram as corporações de ofício. Existiam os mestres que eram proprietários de oficinas; os companheiros que eram trabalhadores recebiam salários dos mestres; e os aprendizes que eram menores recebiam ensinamentos dos mestres sobre o ofício ou profissão. Os aprendizes trabalhavam a partir de 12 ou 14 anos, e muitas vezes os mestres davam-lhes castigos corporais. A jornada de trabalho dos companheiros e aprendizes era muito longa, chegando até a 18 horas diárias no verão. No entanto, o Edito de Turgot de 1776, determinou o fim das corporações de ofício.
As corporações de ofício foram totalmente suprimidas pelo ideal da Revolução Francesa que consagrou a liberdade individual. O novo regime pregou a liberdade para o exercício de profissão, arte ou ofícios, e para as livres contratações.
Durante o século XVIII, com instalações de indústrias e o surgimento das máquinas foram necessárias pessoas que operassem estas máquinas, nascendo o trabalho assalariado. Mas os donos das máquinas, ou seja, o patrão tratava seus empregados como escravos que trabalhavam 12, 14 ou até 16 horas diárias, e exploravam mulheres e menores pagando salários inferiores aos dos homens. Os trabalhadores não possuíam nenhuma proteção Estatal, estavam a mercê da ganância de seus patrões, não havia segurança, ou qualquer tipo de garantia ao trabalhador, não possuíam dignidade.
Em indústrias de máquinas a vapor onde existia carvão, os trabalhadores trabalhavam em condições insalubres, sujeitos a incêndios e explosões, intoxicações, inundações e a doenças como asma, pneumonia e até mesmo a tuberculose. Haviam trabalhadores que eram comprados e vendidos com seus filhos, e ainda ficavam sujeitos a multas que absorviam seu salário.
O Estado diante de tais abusos cometidos pelos proprietários das indústrias abandonou sua postura estática, e passou a intervir nas relações entre assalariado e os donos das indústrias, e como conseqüência, o assalariado começou a gozar de proteção jurídica e econômica.
No entanto, o Direito do Trabalho surgiu no século XIX na Europa, em um mundo marcado pela desigualdade econômica e social, que através da intervenção do Estado por meio de uma legislação imperativa diminuiu a autonomia de vontade das partes, ou seja, a vontade do empregado e do empregador, a Revolução Industrial transformou trabalho em emprego. Segundo o professor Miguel Reale o Direito se origina do fato, de um acontecimento ou evento, para que se possa estabelecer um vínculo de significação jurídica.
A formação do Direito do Trabalho não fugiu a esta regra, pois foi uma resposta política aos problemas sociais acarretados sob o império da máquina, ou seja, seu surgimento foi posterior a Revolução Industrial do século XVIII; sendo também uma reação humanista que se propôs a garantir e preservar a dignidade do ser humano.

3 - A Flexibilização do Direito do Trabalho

Antes de tudo, deve-se entender o significando da palavra “Flexibilização” e o que se pretende com esse vocábulo bastante falado no mundo das relações de trabalho, como consta no minidicionário Silveira Bueno flexibilizar é:

“Tornar flexível, que se pode dobrar ou curvar, maleável, dócil,complacente,
submisso”.
Ao pretender flexibilizar as normas trabalhistas, busca-se possibilitar que os diretos por ela trazidos sejam “dobráveis”, “moldáveis” aos interesses das partes. Sérgio Pinto Martins, expõe em uma de suas obras excelente conceito:

“A Flexibilização do direito de trabalho vem a ser um conjunto de regras que tem
por objetivo instruir mecanismos tendentes a compatibilizar mudanças de ordem
econômica e tecnológica ou social existentes na relação entre capital e o
trabalho”.
A parceria entre o capital e o trabalho, com uma maior ou menor intervenção do Estado garante direitos e impulsiona a economia, trazendo uma real melhora na qualidade de vida das pessoas, a reforma trabalhista não há como tratá-la sem modificar o texto consolidado sem trazer à tona a discussão a cerca da flexibilização das leis trabalhistas.
O mundo atual está passando por uma fase de transição resultante, dentre vários fatores, da necessidade das empresas em se adequarem a métodos eficientes de competição econômica em um cenário de livre fluxo dos mercados. Soma-se a isso a profunda revolução tecnológica, geradora de modificações radicais na organização da produção, tendo de outro lado, a constante necessidade de combate ao desemprego.
Nesse contexto, surge a discussão sobre a necessidade de flexibilização das relações do trabalho, onde alguns sustentam ser a rigidez das instituições a responsável pela crise nas empresas, retirando delas as possibilidades de adaptarem-se a um mercado em constante mutação.
Embora nascida a flexibilização no contexto do Direito Econômico e também na Economia, tendo reflexos no campo do Direito do Trabalho, a tese da flexibilização ganha hoje generalizada aplicação em qualquer ramo da ordem jurídica que necessite adaptar-se à realidade da atual sociedade.
A globalização da economia acirrou a polêmica entre os defensores do Estado Social e os adeptos do Estado Liberal, os quais, obviamente, adotaram caminhos distintos a respeito da posição dos poderes públicos frente às relações de trabalho. Os neoliberais pregam a omissão do Estado, desregulamentando, tanto quanto possível, o Direito do Trabalho, a fim de que as condições do emprego sejam ditadas, basicamente, pelas leis do mercado. Já os defensores do Estado Social, esteados na doutrina social da Igreja ou na filosofia trabalhista, advogam a intervenção estatal nas relações de trabalho, na medida necessária à efetivação dos princípios formadores da justiça social e à preservação da dignidade humana (Süssekind, 1998: 44).

“A flexibilização é a forma de salvar a pátria dos males do desemprego,”
(Martins, 2000: 13).
Os economistas possuem uma visão muito particular do que é ou do que deve ser a flexibilização. Entendem eles que aumentar a produtividade do trabalho é a chave do desenvolvimento e que hoje em dia é cada vez mais claro que as relações de trabalho e as formas de remuneração têm importância decisiva no aumento de produtividade.
Por outro lado, para os economistas, a mão-de-obra do trabalhador é insumo equiparável aos de natureza meramente física, a diferença entre estes insumos é resultante, tão-somente, da maior ou menor rigidez com que são submetidos à ideologia do determinismo materialista, ora de natureza capitalista, ora de natureza marxista.
No plano jurídico, a flexibilização das relações de trabalho pode ser compreendida, pelo estudo da teoria da imprevisão e a revisão dos contratos, que se contrapõe à clássica pacta sunt servanda dos romanos e se constitui na tese moderna da cláusula rebus sic standibus, uma vez que a norma jurídica deve ser um instrumento de adaptação do direito aos fatos, numa sociedade em constante mutação.
O certo é que parece acordante entre juristas e economistas, que o objetivo primordial da flexibilização nas relações de trabalho no contexto atual de globalização da economia e de crises na oferta de empregos, pelo menos no que diz respeito ao seu aspecto prático, é o de evitar a extinção de empresas, com evidentes reflexos nas taxas de desemprego e agravamento das condições socioeconômicas.

“A flexibilização das normas do Direito do Trabalho visa assegurar um conjunto
de regras mínimas ao trabalhador e, em contrapartida, a sobrevivência da
empresa, por meio da modificação de comandos legais, procurando outorgar aos
trabalhadores certos direitos mínimos e ao empregador a possibilidade de
adaptação de seu negócio, mormente em épocas de crise econômica” (Martins, 2000:
45).
Com a flexibilização, os sistemas legais prevêem fórmulas opcionais ou flexíveis de estipulação de condições de trabalho, seja pelos instrumentos de negociação coletiva, ou pelos contratos individuais de trabalho, seja pelos próprios empresários.

4 - Flexibilização e Desregulamentação

Existem inúmeras definições para a flexibilização do direito do trabalho, sob os mais diferentes pontos de vista. As definições envolvem aspectos jurídicos, econômicos, sociais e políticos.

“Etimologicamente, a palavra flexibilização é um neologismo. Nos dicionários são
encontradas apenas as palavras flexibilidade, do latim flexibilitate,
significando a qualidade de ser flexível, e ainda elasticidade, destreza,
agilidade, flexão, flexura, facilidade de ser manejado, maleabilidade, bem como
a palavra flexibilizar, definido como o ato de tornar flexível”. (FERREIRA,
1995: 635).
Do ponto de vista sociológico, a flexibilização é a capacidade de renúncia a determinados costumes e de adaptação a novas situações.

“No que pertine ao Direito do Trabalho, objeto principal da flexibilização em
estudo, importante ressaltar a diferença conceitual entre a flexibilização e a
desregulamentação”. Segundo (NASCIMENTO, 1997):

"Flexibilização do direito do trabalho é a corrente de pensamento segundo a qual
necessidades de natureza econômica justificam a postergação dos direitos dos
trabalhadores, como a estabilidade no emprego, as limitações à jornada diária de
trabalho, substituídas por um módulo anual de totalização da duração do
trabalho, a imposição pelo empregador das formas de contratação do trabalho
moldadas de acordo com o interesse unilateral da empresa, o afastamento
sistemático do direito adquirido pelo trabalhador e que ficaria ineficaz sempre
que a produção econômica o exigisse, enfim, o crescimento do direito potestativo
do empregador" (NASCIMENTO, 1997: 120).
Orlando Teixeira da Costa (1992) preleciona da seguinte forma:

"A flexibilização é o instrumento ideológico liberal e pragmático de que vem se
servindo os países de economia de mercado, para que as empresas possam contar
com mecanismos capazes de compatibilizar seus interesses e os dos seus
trabalhadores, tendo em vista a conjuntura mundial, caracterizada pelas rápidas
flutuações do sistema econômico, pelo aparecimento de novas tecnologias e outros
fatores que exigem ajustes inadiáveis" (COSTA, 1992: 779).

Segundo Sérgio Pinto MARTINS (2000):


"A flexibilização do Direito do Trabalho é o conjunto de regras que tem por
objetivo instituir mecanismos tendentes a compatibilizar as mudanças de ordem
econômica, tecnológica, política ou social existentes na relação entre o capital
e o trabalho" (MARTINS, 2000: 25).
A desregulamentação do direito do trabalho seria uma forma mais radical de flexibilização, na medida em que o Estado retiraria toda a proteção normativa conferida ao trabalhador (inclusive as garantias mínimas), permitindo que a autonomia privada, individual ou coletiva, regulasse as condições de trabalho e os direitos e obrigações advindas da relação de emprego. A flexibilização pressupõe a intervenção estatal, ainda que para assegurar garantias mínimas ao trabalhador (ou a sociedade – uma vez tratar-se de direitos indisponíveis), com normas gerais abaixo das quais não se poderia conceber a vida do trabalhador com dignidade.
Assim, não há que se confundir flexibilização e desregulamentação, sendo esta última caracterizada pela total ausência do Estado no disciplinamento das relações de trabalho, permitindo assim um maior desenvolvimento da plena liberdade sindical e das normatizações coletivas no âmbito privado das relações entre capital e trabalho.

Daí porque para Amauri Mascaro Nascimento (1997: 122),

“Desregulamentação é vocábulo que deve ser restrito ao direito coletivo do
trabalho, não se aplicando ao direito individual do trabalho para o qual existe
a palavra flexibilização. Assim, desregulamenta-se o coletivo e flexibiliza-se o
individual. Portanto, desregulamentação seria a política legislativa de redução
da interferência da lei nas relações coletivas de trabalho, para que se
desenvolvam segundo o princípio da liberdade sindical e das representações de
trabalhadores”.
5 - As Correntes de Flexibilização do Direito do Trabalho

De acordo, ainda, com NASCIMENTO (1997: 116-7),
“Pode-se distinguir três correntes que se posicionam sobre a questão da
flexibilização das relações de trabalho”:
Flexibilista – para essa corrente, cujas idéias são sintetizadas na manifestação de Lobo Xavier (1993: 74), em Portugal, no seu Curso de Direito do Trabalho, o direito do trabalho passa por fases diferentes: a da conquista, a promocional e a de adaptação à realidade atual, com as convenções coletivas de trabalho desenvolvendo cláusulas in melius e in pejus, na tentativa de dar atendimento às condições de cada época e de cada setor.
Para os flexibilistas é preciso distinguir precisamente as fases por que passa o Direito do Trabalho. Em um primeiro momento deve-se assegurar os direitos trabalhistas. Trata-se de uma conquista dos trabalhadores. Após, tem-se o momento promocional do Direito do Trabalho. Na terceira fase, ocorre a adaptação desses direitos à realidade dos fatos, como no que diz respeito às crises, o que é feito por meio das convenções coletivas, que tanto pode assegurar melhores condições de trabalho como também situações in pejus.
Assim, no momento em que a economia estiver normal, aplica-se a lei. Na fase em que ela apresentar crises, faz-se a flexibilização das regras trabalhistas, tanto para pior como para melhor.
É a posição, no Brasil, adotada por Robortella (1994: 86), ao mostrar a natureza cambiante da realidade econômica, com o que uma norma pode ser socialmente aceita num período de abastança, mas absolutamente nociva numa sociedade em crise e desemprego.

Antiflexibilista – entende essa corrente ser a proposta de flexibilização mero pretexto para reduzir os direitos dos trabalhadores. É a posição adotada, no Brasil, por Costa (1991: 102), dentre outros, que vislumbra a possibilidade do agravamento das condições dos hipossuficientes, sem qualquer contribuição para o fortalecimento das relações de trabalho.
Para essa corrente a flexibilização do Direito do Trabalho é algo nocivo para os trabalhadores e vem a eliminar certar conquistas que foram feitas ao longo anos. Seria uma forma de reduzir direitos dos trabalhadores, agravando a situação dos mesmos sem que houvesse qualquer aperfeiçoamento ou fortalecimento das relações de trabalho.

Semiflexibilista – tem como um dos defensores Romagnoli (1992: 143), na Itália, para quem a flexibilização deve começar pela autonomia coletiva, para evitar riscos, por meio de negociações coletivas.
Os seguidores dessa corrente pregam a observância da autonomia privada coletiva e também sua valorização plena. A flexibilização seria feita pela forma coletiva, havendo uma desregulamentação do Direito Coletivo do Trabalho, por meio das convenções ou acordos coletivos.
Sob a ótica da teoria semiflexibilista, seria possível afirmar a existência de uma norma legal mínima, estabelecendo regras básicas, ficando o restante para ser determinado pelas convenções ou acordos coletivos.

6 - O processo de flexibilização das relações de trabalho no Brasil

De já algum tempo o Brasil, ao sabor das circunstâncias sócio-econômicas, vem flexibilizando suas normas trabalhistas. Importante destacar, no entanto, que a flexibilização no Brasil, só foi erigida ao patamar de norma constitucional a partir da Carta Magna de 1988.

Pastore (1996: 102) entende que:

“A flexibilização teve uma função auxiliar importante. Na Europa, ela ajudou a
alocar as pessoas nas novas modalidades de trabalho, tais como o trabalho por
projeto, por empreita, em tempo parcial, com prazo determinado, etc. No Brasil,
a flexibilização possui um papel adicional estratégico. Ela facilita a
desobstrução dos entraves legais que hoje bloqueiam a entrada das pessoas no
mercado formal”.
O excesso de rigidez da Constituição, Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e Justiça do Trabalho tem provocado uma reação selvagem por parte do mercado. Mais de 55% da força de trabalho brasileira está à margem da lei, sem nenhuma proteção lembrando-se que, nesse caso, o Estado nada arrecada, ficando apenas com ônus de socorrer essas pessoas na doença e na velhice.

“A "flexibilização selvagem" é o resultado da combinação de pouco investimento
com muita rigidez”. (Pastore, 1996: 103).
A flexibilização surgiu na Europa na década de 60 e já nos idos de 1965 e 1966 encontramos vestígios iniciais da flexibilização no Brasil, com a Lei 4.923/65, que trata da redução geral e transitória dos salários até o limite de 25%, por acordo sindical, quando a empresa tivesse sido afetada por caso fortuito ou força maior em razão da conjuntura econômica e, ainda, com a Lei do FGTS (Lei 5.107/66) que, implodindo a estabilidade, deu ampla liberdade ao empregador para despedir os empregados regidos pelo FGTS.
Tem-se ainda como exemplo as leis terceirizantes, especialmente a Lei nº 6.019/74, conhecida como lei do trabalho temporário, editada sob a pressão da existência, no ano de 1973, de 50.000 trabalhadores em São Paulo prestando serviços a cerca de 10.000 empresas de trabalho temporário. As empresas tinham por objetivo conseguir mão-de-obra mais barata, não pretendendo se furtar às regras tutelares da legislação trabalhista, que visava proteger o trabalhador (Martins, 2000: 51).
Depois do advento da Constituição Federal de 1988, embaladas pela constitucionalização da flexibilização, foram surgindo novas leis que modificaram em parte o Direito do Trabalho. Citemos como importante norma flexibilizadora pós Constituição, as Medidas Provisórias que introduziram os contratos por tempo parcial e o banco de horas.
A Medida Provisória do trabalho a tempo parcial (MP n. 10952-20/2000), que acrescentou um artigo à Consolidação das Leis do Trabalho (art.58-A), conceitua como trabalho em regime de tempo parcial aquele cuja duração não exceda a 25 horas semanais. Este sistema se justifica, porque uma parte do tempo do trabalhador é dedicado ao emprego e o restante do tempo, à outras atividades alheias ao trabalho, assim, com a permanência do empregado por um período mais curto na empresa, é possível aumentar o número de vagas, diminuindo-se o desemprego.
Afirma Pastore (1997: 79) que nos Estados Unidos, entre os 113 milhões de americanos que trabalham para empresas, 80% o faz em tempo integral e 20% a tempo parcial, tendo um aumento considerável nas duas últimas décadas, sendo que em meados dos anos 70, a proporção era de 92% e 8%, respectivamente.
Em relação ao salário, no regime de tempo parcial, este deve ser proporcional em relação aos trabalhadores que cumprem o horário integral. Mas deve-se sempre ter em conta que o salário não poderá ser inferior ao mínimo legal, pois a flexibilização encontra óbice no salário mínimo estipulado constitucionalmente.
A Medida Provisória n. 10709-3/98, modificou o parágrafo 2º do artigo 59 da CLT, prevendo que a partir da entrada em vigor da referida MP, os excessos de horas trabalhadas pelo empregado em um período poderiam ser compensados no período máximo de 01 ano. Ou seja, se os sindicatos acordarem, mediante negociação coletiva, as horas extras praticadas em certo período não precisará ser pago, desde que compensadas no período máximo de um ano. Flexibilizou-se a necessidade de acrescer-se um valor pecuniário à hora extra, que passou a ser, optativamente, compensada.
Assim, deverá ser observado um sistema de créditos e débitos, que não poderá exceder a um ano, período em que ocorrerá a flexibilização. Nascimento (1998: 268) assinala que se esse período ultrapassar o total normal de horas do período permitido, o empregador deverá pagar as horas que forem excedentes, observando-se o adicional mínimo de 50%.

7 - Dos óbices constitucionais e legais à flexibilização no Brasil

O artigo 7º da Constituição de 1988 foi pródigo na distribuição de direitos, pouco se preocupando com a adequação das normas à realidade econômico-social, ao estatuir, apenas nos incisos VI, XIII e XIV, que, respectivamente, a redução de salários, a redução e compensação de jornada de trabalho e a prorrogação da jornada máxima de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento processem-se mediante acordo ou convenção coletiva.
Excetuadas estas possibilidades de alteração, a flexibilização da relação de emprego no Brasil terá que passar, necessariamente, por alterações de nível constitucional.

Martins (2000: 101) Costuma classificar os limites da flexibilização do direito do trabalho no Brasil, quanto à admissibilidade, em dois tipos básicos:
a) Os admissíveis – que são usados, por exemplo, nas épocas de crise, permitindo a continuidade da empresa, porém garantindo um mínimo ao trabalhador, sendo realizado, nesse caso, geralmente por meio da negociação coletiva e
b) Os inadmissíveis – quando são instituídos apenas com o objetivo de suprimir direitos trabalhistas.

Quanto à proibição, o referido autor distingue a flexibilização em:
a) Proibida - em que a lei veda a flexibilização, como ocorre nas hipóteses de normas de ordem pública; e
b) Autorizada ou Permitida – como, por exemplo, a contida no inciso VI do art. 7º da Constituição que permite a redução dos salários mediante convenção ou acordo coletivo.

A flexibilização pode ainda ser estabelecida pela revisão de certas modalidades contratuais, como da revisão do contrato de trabalho temporário, da terceirização etc.
Doutrinariamente, no sistema jurídico-positivo brasileiro têm-se estabelecido limites legais e constitucionais ao poder de modificação do arcabouço normativo trabalhista, diferenciando-se as posições e idéias no que pertine ao maior ou menor grau de limitação ao poder de reforma.

8 - Limitações Constitucionais:

Os direitos sociais previstos no art. 7º da Constituição Federal são, no dizer de Alexandre Moraes (1999: 186), direitos fundamentais do homem, caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria de condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado democrático, pelo art. 1º, VI, da Constituição Federal.
Logo, os direitos sociais previstos constitucionalmente são normas de ordem pública, com a característica de imperativas, invioláveis, portanto, pela vontade das partes contraentes da relação trabalhista. Conclui Moraes (1999), citando Arnaldo Süssekind que,

"Essas regras cogentes formam a base do contrato de trabalho, uma linha
divisória entre a vontade do Estado, manifestada pelos poderes competentes, e a
dos contratantes. Estes podem complementar ou suplementar o mínimo de proteção
legal; mas sem violar as respectivas normas. Daí decorre o princípio da
irrenunciabilidade, atinente ao trabalhador, que é intenso na formação e no
curso da relação de emprego e que se não confunde com a transação, quando há res
dúbia ou res litigiosa no momento ou após a cessação do contrato de trabalho"
(Apud MORAES, 1999: 186)

Desse modo, o art. 7º da Constituição elenca normas trabalhistas situadas no mesmo patamar dos direitos individuais conferidos aos cidadãos. A inserção dessas normas no título Dos Direitos e Garantias Fundamentais fez com que adquirissem o status de direitos fundamentais. (Ledur, 1998: 116).
Registre-se, ainda, que os direitos sociais enumerados no art. 7º da Constituição Federal constituem rol exemplificativo, não esgotando os direitos fundamentais constitucionais dos trabalhadores, que se encontram também difusamente previstos no próprio texto constitucional.
Em verdade, a Constituição brasileira de 1988, em relação ao Direito do Trabalho foi um tanto quanto detalhista. De qualquer maneira foi ela detalhisticamente flexível, uma vez que permitiu que a flexibilidade se processasse quanto a alguns aspectos laborais, sob tutela sindical.
Quase a totalidade da doutrina laboral brasileira entende que a flexibilização não poderá ser feita sobre direitos mínimos assegurados constitucionalmente ao trabalhador, salvo quando a própria Lei Maior a permitir, como nos incisos VI XIII, XIV do art. 7º da Constituição, em que há uma expressa determinação para admitir situações in peius para o trabalhador, que são os casos de redução de salário em caso de convenção ou acordo coletivo, compensação de horários e redução de jornada também em caso de convenção ou acordo coletivos, bem como jornada de seis horas em caso de trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo convenção coletiva.
Importante ressaltar que a Constituição determina a impossibilidade de redução de salários e não da remuneração. De acordo com o art. 457 da CLT a remuneração é composta de salário mais gorjeta, sendo o salário tudo aquilo que é pago diretamente pelo empregador ao empregado e gorjeta tudo aquilo que é pago ao empregado pelo cliente. Assim, não há nenhum óbice à redução das gorjetas, que não é salário. Já o que for proveniente do empregador, que é salário, não poderá ser reduzido, salvo por negociação coletiva.
Também se entende, doutrinariamente, não ser admissível a flexibilização de normas de higiene e segurança do trabalho, pois são fundamentais à saúde do trabalhador.
De outro lado, dentro do sistema jurídico constitucional brasileiro, os acordos derrogatórios devem observar o direito adquirido, em razão do que dispõe o inciso XXXVI do art. 5º da Constituição.
Por fim, quanto aos óbices constitucionais, deve-se observar o que reza o inciso VI do art. 8º da Lei Magna, que exige a presença do sindicato nas negociações coletivas. Entende-se, no entanto, que a participação obrigatória é do sindicato da categoria dos trabalhadores, pois nos acordos coletivos só participam o sindicato da categoria profissional e uma ou mais empresas.

9 - Limitações Legais;

O artigo 7º da Constituição de 1988 , estabelece nos incisos VI, XIII e XIV, que, respectivamente, a redução de salários, a redução e compensação de jornada de trabalho e a prorrogação da jornada máxima de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento processem-se mediante acordo ou convenção coletiva.
A indagação que se faz é no sentido de serem tais normas constitucionais flexibilizadoras exaustivas ou meramente exemplificativas. Por exemplo: se a Carta Magna afirma serem apenas dois direitos passíveis de flexibilização, quais sejam, a jornada e o salário, e o legislador cria uma norma infraconstitucional flexibilizando um direito diferente dos que foram pela Constituição permitida, tal norma ordinária seria inconstitucional?
Esta indagação procede porque alguns autores, dentre eles Martins (2000: 101), classificam como limites constitucionais, a flexibilização proibida, que é aquela em que a própria lei veda a flexibilização, como ocorre com as normas de ordem pública tendo, de outro lado, a flexibilização autorizada, sendo aquela em que a lei permite a flexibilização. Mas a pergunta persiste: e se a norma não disse se o direito poderia ou não ser flexibilizado, se omitindo? Então poderia uma norma posterior apresentar uma nova modalidade de flexibilização, diferente das permitidas pela Lei Maior?
De acordo com Süssekind (1999: 52) melhor teria sido, que a Carta Magna tivesse possibilitado à lei ordinária indicar, restritivamente, as hipóteses nas quais as partes, por meio de convenção ou acordo coletivo, pudessem flexibilizar a aplicação do preceito estatal, fixando os limites insusceptíveis de serem desrespeitados pelos instrumentos de autocomposição. Nada impedindo que a matéria seja objeto de lei, inclusive para dispor sobre a duração e os efeitos das alterações contratuais.

“Nada impede que uma reforma legislativa amplie as derrogações legais
autorizadas pela Constituição, desde que se respeite a ordem pública instituída
pela Lei Maior. Os limites devem ser os próprios comandos constitucionais
imperativos que, no caso brasileiro, alcançam, às vezes com disposições próprias
de lei ordinária, quase todos os institutos do Direito do Trabalho”. (Costa,
1998: 48).
Os óbices legais ao fenômeno da flexibilização podem ser exemplificados: não é possível a diminuição do período de descanso interjornadas para aquém de uma hora diária, pois tal matéria é de competência restrita ao Ministério do trabalho, não podendo ser alterado por negociação coletiva.

Martins (2000: 108) afirma que:

”As condições de trabalho deveriam respeitar a cláusula rebus sic stantibus,
pois, enquanto as coisas permanecerem como estão não haverá modificações da
situação de fato. Havendo alteração das condições econômicas, como nas crises, é
que deveriam existir mecanismos jurídicos para estabelecer-se a flexibilização”.
Mannrich (1998: 77) ”coloca como óbice o fato de que:

”Não podem ser objeto de flexibilização bens jurídicos fundamentais
indisponíveis, como os relacionados a vida, saúde e outros relativos à
personalidade do trabalhador e a direitos econômicos básicos”.
Outro óbice legal à flexibilização diz respeito ao princípio da vigência da norma mais favorável ao trabalhador, o que talvez tenha justificado a obrigação de flexibilização das normas através da negociação coletiva, em que se espera que os sindicatos procurem sempre as condições e os meios mais eficazes na proteção de seus representados.
Ocorre que Nascimento (1997: 120) lança por terra esta assertiva, ao afirmar que:

“A norma mais favorável ao empregado nunca foi um princípio absoluto, pois
sempre permitiu exceções, especialmente diante de leis do Estado na defesa da
sua política salarial nos sistemas de economia com inflação e necessidade de
indexação, bem como da possibilidade, permitida desde 1964, de negociação
coletiva para modificação da jornada e do salário, alterações estas que foram
mais tarde incorporadas pela Carta Magna, com algumas peculiaridades”.
10 - Conclusão

Atualmente, a maior preocupação das entidades internacionais, assim como de algumas nações, é com o desemprego estrutural, advindo da nova tecnologia e, sobretudo, da robotização e da automação. A finalidade de reduzir esse desemprego fomentou a utilização do Direito do Trabalho, experimentada ao ensejo dos dois choques petrolíferos dos anos 70 e 80 (SÜssekind, 1999: 211).
Se é certo que a transmutação da economia mundial justifica a flexibilização na ampliação das normas de proteção, a fim de harmonizar interesses empresariais e profissionais, não menos certo é que ela não deve acarretar a desregulamentação do Direito do Trabalho, seja nos países de cultura jurídica romano-germânica, onde a lei escrita é a fonte tradicional do Direito, seja naqueles em que a sindicalização é inautêntica, inexpressiva ou inadmitida. A verdade é que há princípios e normas fundamentais que, independentemente das teorias econômicas ou monetaristas, são inseparáveis do esforço da humanidade em favor da justiça social.
A flexibilização pode ser encarada como uma fenda no princípio da inderrogabilidade das normas de proteção ao trabalho, princípio este que vem colocado de forma expressa na CLT (art.468), mas tal exceção confirma outro princípio basilar do Direito do Trabalho, o princípio da proteção ao hipossuficiente, de modo a proteger os operários como um todo.
Se pretende com a flexibilização ajustar as normas jurídicas existentes e as normas a serem criadas com a realidade econômica vigente em um determinado país, de modo a contribuir para solucionar os problemas no Direito do Trabalho, advindos de tal conjuntura. Mannrich (1998: 75) coloca que a flexibilização exprime o processo de ajustamento das instituições jurídicas às novas realidades da sociedade capitalista. Vinculam-se às questões do desemprego, novos processos de administração da produção, dentre outros. Por meio dela, a empresa ajusta sua produção, mão-de-obra e condições de trabalho às flutuações do sistema econômico.
A maior dificuldade é estabelecer quais são os limites mínimos a serem observados. É de se entender, como já discorrido, que no sistema brasileiro os limites mínimos são os constitucionais e os legais.
Entre os princípios universais do Direito do Trabalho, válidos para todos os sistemas jurídicos situam-se o princípio das garantias mínimas do trabalhador, respeitado no mundo inteiro e imposto de modo heterônomo. As garantias são impostergáveis como vantagens fundamentais. O Direito do Trabalho é formado por preceitos de ordem pública ou de caráter imperativo onde prevalece o amparo ao trabalhador como ser humano. É a efetiva justiça social.
Seguindo esse raciocínio, os fundamentos de alguns direitos trabalhistas se colocam acima da vontade negocial dos trabalhadores e dos sindicatos. Como pode o trabalhador renunciar a férias, repouso, salário mínimo e licença-gestante? A ordem pública não se confundiria com o Direito Público, mas representaria elemento indispensável para eficácia das principais normas constitucionais do trabalho. O trabalhador somente poderia renunciar o direito que tem em vista o seu interesse individual. Diferentemente ocorre quando o interesse é coletivo, amparado pela sociedade, pois se torna de caráter imperativo, sendo, portanto, irrenunciável.
Quando existe a hipótese de flexibilização e esta ocorre, através de tutela sindical, não poderá o trabalhador alegar a inalterabilidade da relação de emprego para não perder algumas vantagens que teria adquirido anteriormente, pois segundo a Constituição Federal, nos casos previstos no art. 7º, o sindicato poderá dispor dos direitos individuais dos empregados que sejam por eles representados, com aplicação imediata aos contratos de trabalho em vigência. O que se pretende, é a valorização dos direitos coletivos.
Parte majoritária da doutrina entende que a flexibilização ideal seria aquela feita por acordo coletivo de trabalho, por ser descentralizado e atender às peculiaridades de cada empresa, como seu tamanho, seu tipo societário etc. A flexibilização pela convenção coletiva, generaliza, pois no sistema brasileiro atinge toda uma categoria, sem fazer distinção entre empresas grandes e pequenas.
De outro lado, a imperatividade da lei deve deter-se tão-somente à contratação individual, pois do contrário o empregado fica totalmente desprotegido e ao arbítrio do empregador. Assim, na contratação coletiva, a lei deveria apenas ser dispositiva, em razão da possibilidade da negociação ser feita para vários fins, principalmente quando há crises econômicas ou outros fatores.

Importante ressaltar a observação que faz Martins (1997: 121), de que:

“A flexibilização pode ser conveniente para alguns fins, sem perda do sentido do
direito do trabalho, mas deve ser acompanhada da adoção de outras medidas, cada
vez presentes nos ordenamentos jurídicos e que podem evitar a perda do ponto de
equilíbrio na relação jurídica de trabalho, dentre as quais a representação dos
trabalhadores na empresa, a participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados, a adequada regulamentação da dispensa arbitrária ou sem justa causa, no sentido de impedir dispensas retaliativas, sem vedar as dispensas motivadas por causas econômicas, organizacionais e tecnológicas, além de uma organização de um sistema eficiente de seguro-desemprego”.

Uma coisa é certa:
“A flexibilização dos direitos trabalhistas, sozinha, não cria empregos e, muito
menos, bons empregos. Esses dependem de vários fatores, sobretudo de pesados
investimentos nos setores públicos e privado”. (Pastore, 1996: 104).

Flexibilização dos direitos sociais: remédio para a cura do desemprego no Brasil ou simples placebo juridico?

Texto extraído do Jus Navigandihttp://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3422

Guilherme Alves de Mello Francoadvogado trabalhista em Juiz de Fora (MG), assessor jurídico de sindicatos, especializando em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário pela Universidade Estácio de Sá

Um dos temas mais em voga na atualidade jurídica brasileira, tanto pela complexidade dos elementos que se incorporam ao mesmo quanto pelos supostos efeitos no ambiente obreiro pátrio, o Projeto de Lei n. 5483/2001, que, alterando ao Art. 618, da Consolidação das Leis do Trabalho, visa a flexibilizar a aplicação dos chamados "direitos sociais", ora em tramitação no Congresso Nacional, tendo sido aprovado, recentemente, pela Câmara dos Deputados, pretende muito mais ao atendimento de promessas eleitoreiras do que propriamente aprimorar ao trato dos relacionamentos laborais no solo de nosso País. O assunto enovela, sem que haja quaisquer válvula de escape, à capacitação de nosso sistema sindical, onde, é de meridiana sabença, as distorções de objetos e objetivos, não rara vez, conduzem ao verdadeiro descrédito, tanto por parte dos trabalhadores afeitos às categorias profissionais representadas quanto pelos próprios organismos encarregados de preservar a higidez dos pactos de emprego em curso no Brasil. Assim, como aliás em todos as plagas onde teve figuração, a flexibilização dos direitos adstritos ao hemisfério operário não é a panacéia para destruir a muralha do emprego informal que – diga-se de passagem – não representa o câncer que carcome a proteção individual do operário, apenas o luzeiro fronteiriço entre o capital e o trabalho voltado para a sobrevivência às próprias custas, ante a retração econômico-financeira, transformando-o em formal, aumentando, assim, as frentes de trabalho protegido, mas sim, um placebo no trato de questões sérias e imprescindíveis, que merecem maior acuidade por parte dos que trazem a si a obrigação de defesa da estratosfera social que dirigem.
Após treze anos de vigor, o Art. 7., da Lex Legum, que determina, ainda que impropriamente, já que o tema, longe de ser adstrito ao âmago constitucional, pertence, indelevelmente, ao hemisfério da legislação ordinária, quais são os direitos mínimos dos trabalhadores em território nacional, sofre, talvez, a maior retaliação de que se possa ter notícia, quando se adentra ao cerne do Projeto de Lei que visa a tornar fléxil a aplicação das normas ali contidas, ou, em outras palavras, que o disposto seja desacatado pelas partes contratantes, em favor de sua suposta manifestação volitiva (o pacto sobrepuja à lei).
Os apologistas de tais mudanças, como Cássio Mesquita de Barros, que defende que "o discurso necessariamente favorável à flexibilização das relações de trabalho e da reforma radical da legislação trabalhista é combatido pelas idéias antigas de proteção, temor da modernização de que parecem possuídos os Juízes do Trabalho" ("A tercerização". In: Trabalho & Doutrina, São Paulo: Saraiva, v. 22, p. 85-94, 1999), e Antônio Bonival Camargo, que preleciona que "as leis inflexíveis mais cedo ou mais tarde serão desrespeitadas. Daí a necessidade da flexibilização, até mesmo permitida e admitida em lei" ("Flexibilização garantidora do emprego". In: Trabalho & Doutrina, São Paulo: Saraiva, v. 23, p. 3-7, 1999), apostam todas as suas palavras na tentativa, um tanto quanto inexplicável, de transmudar a economia informal em tratados laborais propriamente ditos, já que o algoz pretendido para a existência mansa e pacífica do Contrato Individual do Trabalho seria a rigidez das normas que catalogam os direitos primordiais da classe trabalhadora, o que, não rara vez, delapidaria o poderio econômico dos empresários, tornando impossível a contratação legal dos laboristas, em face da excessiva onerosidade do ato.
Esta abominável maleita estaria formando, no Brasil, a enorme febre dos operários sem Carteira de Trabalho e Previdência Social anotada, sem depósitos no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, sem Seguro-Desemprego, sem repouso semanal remunerado, sem sobrejornada assalariada (mas cumprida), enfim, sem que quaisquer dos capitais consectários do vínculo de emprego fosse respeitado.
Há, também – não se pode permitir o olvido – a longa e estafante carga tributária que faz com que um empregado brasileiro custe o preço de dois (engodo daqueles que, de tanto divulgado, ganhou denominação honorífica de verdade), apesar de ser uma das mais baratas mãos-de-obra do mundo.
Arnaldo Süssekind, ao discorrer sobre o mesmo tema, elucida que a participação dos salários nos custos empresariais brasileiros é das mais baixas do mundo, esclarecendo que, no item encargos sociais, costuma-se incluir verbas já contempladas no salário mensal, tais como férias e repousos semanais, multa do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e a indenização do aviso prévio, decorrentes de ato ilícito do empregador e elucida o fato demonstrando que, em verdade, os ditos encargos correspondem, apenas e tão somente, a 55,71 % (cinqüenta e sete vírgula setenta e um por cento) do assalariamento mensal ("Contratos provisórios de trabalho – constitucional e eficaz ?", In: Revista LTr, São Paulo: LTr, v. 60, n. 10, p. 1246- 1258, Outubro de 1996).
Sobre este mesmo aspecto, relevante o ensinamento de Benedito Calheiros Bonfim, ao expendir a seguinte opinião: "pretende-se que ‘os encargos sociais’ que recaem sobre a folha de pagamento dos empregados ascendem a 102 %. Mesmo que isso fosse verdade, ainda assim não representaria demasiado peso, se se considerar que incidem sobre salários aviltantes" ("Globalização, reformas e desemprego". In: Trabalho & Doutrina, São Paulo: Saraiva, n. 23, p. 7-13, 1999).
Assim se posiciona Sérgio Pinto Martins, sobre a questão em escopo:
"Muitos dos encargos sociais mencionados são pagamentos feitos diretamente aos trabalhadores, como as férias e o 13.º salário, não sendo destinados a um fundo ou à Previdência Social. Não é o fato de as férias serem previstas em lei que as torna encargos sociais, pois a lei dispõe que têm natureza salarial. Logo, não podem ser consideradas encargos sociais.
O DSR não pode ser considerado como encargo social, pois, por exemplo, quem ganha por mês já tem incluído o respectivo valor no salário (§ 2.º do art. 7.º da Lei n. 605/49). Os feriados também estão incluídos no cálculo do salário mensal, pois o divisor será 30. Ao contrário, se o seu salário é semanal ou horário, o repouso semanal e os feriados serão custo para o empregador.
As férias não podem ser consideradas como encargo social, pois, se o trabalhador as gozou, têm natureza salarial. Se o trabalhador foi dispensado, têm natureza indenizatória, sendo uma das verbas rescisórias.
O aviso prévio não é custo para o empregador se o obreiro não for dispensado. Só será custo se for dispensado.
O auxílio-enfermidade não será custo para o empregador se o empregado não ficar doente. Ao contrário, se ficar doente ou afastado ou sofrer acidente do trabalho, terá de pagar os 15 primeiros dias de seu salário, sendo que a partir do 16.º dia há a concessão de benefício previdenciário" ("Custo do trabalho e desemprego". In: Trabalho & Doutrina, São Paulo: Saraiva, n. 23, p. 35-43, 1999).
Oportuna, também, a lição ministrada por Luiz Cláudio Portinho Dias, ao explanar que:
"opera-se, desta forma, tentativa de enganar a sociedade, através de medidas ludibriosas, que são apontadas como a solução para a crise do desemprego, como se a verdadeira causa deste fosse o alto custo do trabalhador brasileiro. Procura-se, assim, esconder os verdadeiros males da cadeia produtiva nacional, como, por exemplo, a exagerada quantidade de tributos; a estupenda taxas de juros; a ausência completa de programas governamentais nas áreas agrícola e educacional, que provocam o surgimento de trabalhadores desesperados e de baixa produção" ("Trabalho em regime de tempo parcial". In: Revista do Direito Trabalhista, Brasília: Consulex, ano 4, n. 10, p. 11-12, 30 de Outubro de 1998).
Não se trata, entretanto, de repelir, sem qualquer exceção, à inevitável evolução do Direito, mormente na área juslaboral – onde a caminhada da normatização se faz sempre aliada do anseio geral da sociedade da qual emana – que se representa através da quebra do formalismo excessivo, já que, no magistério de Louis Josserand, "dicho formalismo produce lentitud, obra como freno em la vida jurídica; y, cada vez más, se tiende a desembarazar el derecho de su aparato protector demasiado férreo, a rechazar los impedimientos de antaño y a contentarse com la voluntad completamente desnuda" (1) ("Derecho Civil". Buenos Aires: Bosch & Cía, 1950, tomo I, v. 1., p. 67) e, como bem definiu Mauro Capelletti, "la demora excesiva és fuente de la injusticia social porque lo grado de resistencia del pobre és menor do que lo grado de resistencia del rico; este último, y no el primero, pode, sin daño grave, esperar una justicia lenta" (2) ("El proceso como fenómeno social de masa". In: Proceso, ideologias y sociedad, Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, n. 32, p. 133-134, 1974).
Para Manoel Lopes Veloso Sobrinho, "faz-se necessário urgentemente adequação da legislação trabalhista ao processo econômico de globalização e desenvolvimento tecnológico, porém, afasto a idéia de liberar as partes para a ‘plena’ negociação. Seria o mesmo que lançar o empregado aos leões, como na antiga Roma se fazia com os cristãos, em espetáculo dantesco" ("Desemprego e flexibilização das leis trabalhistas". In: Trabalho & Doutrina, São Paulo: Saraiva, n. 24, p. 35-39, 1999).
Todavia, longe de compartilhar um desproporcional festejo ao moderno, ao evoluído, ao futurístico, há que se agir com a devida cautela – tão amiga da proficiência – e, ante à mórbida letra do Projeto de Lei em estudo, saber expugnar das entrelinhas o verdadeiro raciocínio.
Destarte, nunca é demais aproveitar, neste momento, as palavras de Hugo Cavalcanti Melo Filho, ao expor que "a flexibilização à custa da restauração do princípio liberal da autonomia da vontade, com a total desregulamentação do Direito do Trabalho, constitui golpe fatal em dois séculos de conquistas dos trabalhadores. A idéia de que qualquer trabalho é melhor do que nenhum trabalho não pode ser levada a extremos" ("Relação de trabalho rural". In: Revista do Direito Trabalhista, Brasília: Consulex, ano V, n. 06, p. 7-8, 30 de Junho de 1999).
E a intenção dos criadores (não tão pais da idéia que, longe de alcançar o rótulo de novidade, existe há longo tempo em algumas sociedades laborais mais desenvolvidas, como a da França) outra não se nos afigura que não a de proporcionar vantagem eleitoreira (válida, expressamente, por apenas dois anos – Art. 2. – o que, coincidência ou não, acena ao final do mandato do então Presidente da República), desprovida de qualquer razoabilidade técnica ou prática que pudesse lhe servir de porta-voz, tão representativa do neoliberalismo que, segundo Benedito Calheiros Bonfim "por sua ideologia excludente e estrutura competitista, mercadológica, desumana, cega, perversa, está criando condições para sua própria ruína" (1999).
Mais do que isso, entendemos ser a mesma uma medida mendaz, que vantagem alguma traduz, nem para a classe patronal, muito menos para a trabalhadora.
Tal condição é perfunctoriamente desnudada quando, estudando as diversas facetas do dita Projeto, chegamos a impressionantes conclusões.
Afirma o texto proposto, em seu Art. 1., que não poderá haver supressão dos direitos alinhavados pelo preceito magno, que, cláusulas inamovíveis, fazem parte do patrimônio jurídico dos trabalhadores. E, nem poderia haver mesmo, em face do caráter de que se revestem, de perenidade absoluta.
Outrossim, é permitido o diluimento daqueles direitos em parcelas, ao longo do ano, como é o caso da Gratificação de Natal e das Férias, que poderiam ser deferidos em prestações durante o pagamento da mensalidade remuneratória aos obreiros.
Analisando tal possibilidade, entendemos que a mesma torna-se inócua e sem sentido, se nos ativermos ao fato de que, ao final do ano, o pagamento integral do direito deve ser implementado, sem qualquer desconto.
Entretanto, não se pretenda, de maneira simplória, como temos ouvido freqüentemente, que a vantagem reside no parcelamento.
Senão, vejamos:
Uma grande empresa, com mil funcionários, gasta, com sua folha mensal, uma soma equivalente à R$ 100.000,00 (Cem Mil Reais).
Com a folha de Dezembro, o dobro, ou seja R$ 200.000,00 (Duzentos Mil Reais), tendo que esforçar-se, durante todo o período produtivo, para auferir numerário suficiente para tanto.
Se a mesma parcelar em quatro vezes a Gratificação de Natal devida aos funcionários, terá que fazer, durante os quatro meses em que efetua o pagamento, o mesmo esforço, ou seja, ao invés dos R$ 100.000,00 (Cem Mil Reais) a que se obriga mensalmente, terá de arcar com R$ 125.000,00 (Cento e Vinte e Cinco Mil Reais), o que representa um reforço mensal no gasto de R$ 25.000,00 (Vinte e Cinco Mil Reais), o que significa a mesma coisa em termos financeiros.
Não se deve deixar longe do pensamento, a inevitável constatação de que, com o estilhaçamento do denominado décimo terceiro salário, em cápsulas homeopáticas, perde o mesmo seu objeto que, nenhum outro é, que o de permitir ao trabalhador um numerário para que possa participar, condignamente, dos festejos de final de ano, tornando-se, desta feita, em instituto inócuo.
Insta analisar a possibilidade de fragmentação do período de Férias em partículas de dez dias cada.
Pelos mesmos motivos acima encetados, vantagem alguma, no aspecto financeiro, advém desta distribuição ao empregador.
No entanto, quando se perscruta o impacto de tal medida junto aos laboristas, verifica-se que a mesma é desastrosa, causando danos irreversíveis ao mesmo.
A uma, porque o objetivo maior do assalariamento do período de descanso é permitir, ao empregado que, durante o mesmo, possa dele usufruir sem que haja diminuição de seu poderio financeiro e, até mesmo, com o advento do abono constitucional, permitir-lhe gastos superiores aos normais, já que deles depende, não rara vez, o merecido descanso.
Com a fragmentação do período, há a inevitável quebra desta força.
A duas, porque, talvez, o ponto mais importante, é que o interregno de férias destina-se, em essência, a promover o descanso do operário após um estafante lapso temporal de labor, fazendo com que recupere sua capacidade produtiva, delapidada pelo cotidiano alienante.
Ora, se considerarmos a possibilidade da transformação em pecúnia, de um decênio, prevista pela Consolidação das Leis do Trabalho, em seu Art.143, que prevalecerá, restariam, apenas e tão somente, dois períodos de dez dias cada, o que se nos apresenta como inconsistente para o fim colimado.
Há, ainda, um aspecto relevante a ser discutido em relação ao tema ora desposado, que é o da previsão de inamovibilidade das cláusulas que visem à medicina e segurança do trabalho (Art. 1., do Projeto de Lei).
Se nos ativermos a este ponto nevrálgico, temos que nos quedar ante a enorme incoerência aqui encontrada, de sorte que o referido Projeto de Lei veda a flexibilidade aos preceitos que traduzem preocupação sistêmica com a higiene e a segurança do trabalho, esquecendo-se que, o disposto relativo às férias nada mais é que voltado à esta esfera de atuação, mormente se pesquisarmos seu primordial escopo, que seria o descanso com o fito de impedir o desgaste físico e mental, promotor, em mais de setenta por cento dos casos, dos acidentes do trabalho.
Desta forma, por ser o inciso XXII, da Carta Política de 1988, que enovela, entre os direitos dos trabalhadores a "redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança", portador do status de "cláusula pétrea" , temos que a referida diluição do instituto de férias não pode prosperar.
Outrossim, a ser permitido tal esfacelamento, há que entender-se possível, também, a diminuição dos percentuais inerentes aos adicionais de trabalho perigoso, insalubre e noturno, bem como, do patamar de depósito mensal na conta vinculada do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, pertencente ao trabalhador, já que o substrato constitucional não lhes estabelece quantum minimo, estando o mesmo a cargo da ordinária norma, impotente contra tão amplo cerceio.
Insta dizer, neste momento, que é uma grande temeridade o fato de permitir-se a redução de ditos percentuais, que, nem nos patamares em que se encontram deferidos em lei, atingem a seu precípuo fim, qual seja, o de coibir a prática de atividades em ambientes inadequados e insalutíferos, quem dirá em estilhaços minimizados.
E esta possibilidade é cabal, indene de dúvidas, já que o texto do Projeto de Lei proíbe a supressão das parcelas argamassadas no Art. 7., da Constituição da República Federativa do Brasil mas, não veda a negociação em torno dos percentuais respectivos, uma vez que os mesmos estão adstritos a leis ordinárias, que não carregam em seus bojos capacidade de resistência como a que se encontra no mármore constitucional.
Em diferentes palavras, uma negociação coletiva poderá estabelecer, verbis gratia, que o valor do adicional de insalubridade em grau máximo, para aquela categoria profissional seja de 20 % (vinte por cento) e, não, os 40 % (quarenta por cento) enlaçados pelo Art. 192, da Consolidação das Leis do Trabalho, de sorte que não estaria agredindo à Lex Legum, já que esta limita-se, apenas e tão somente, a determinar, em seu Art. 7., XXIII, que haverá "adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei". Continuaria, portanto, a haver o apêndice remuneratório previsto na Carta Política, sem qualquer embargo possível, o que legitimaria a atitude ceifadora.
Outras modificações desastrosas podem vir a lume, como o pagamento de verbas de rescisão em diversas parcelas, transação e renúncia quanto à multa do Art. 477, Consolidado, sempre que houver atraso naquela quitação, dispensa da estabilidade de emprego, desobrigação de proceder às anotações contratuais na Carteira de Trabalho e Previdência Social, o que delapidaria em substância ao patrimônio jurídico do trabalhador.
Acentua-se o problema quando adentramos ao excesso de poderio dado pela Lei Maior às Entidades de Classe que, no Brasil, além da incapacidade histórica que as desqualifica como tabula rasa da moderna relação de emprego, já que, ao contrário do que aconteceu em outros países, onde o sindicalismo aflorou de conflitos e revoltas obreiras, como as que originaram o "Dia do Trabalho", advindo das antigas corporações de ofício, mantenedoras dos anseios e pensamentos da parcela operária, no território pátrio o surgimento das entidades classistas deu-se com a ingerência castradora do Estado nas ações sindicais, desde a criação, manutenção e normatização até o custeio das atividades exercidas, o que resultou na ineficiência e no anacronismo insustentável das mesmas, cujo representante vivo é a inexplicável contribuição sindical – também conhecida como imposto sindical (Art. 578 usque 610, da Consolidação das Leis do Trabalho) – arcaísmo que teima em não ser extinto, resquício inabalável das ditaduras outrora dominantes – que, no entendimento de Valentin Carrion, "é o meio de atrelar os sindicatos ao status existente e é o indício de que a liberdade sindical não é completa, uma das más opções que os países podem adotar" ("Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho". 27. ed. atual. e rev., São Paulo: Saraiva, 2002, p. 438), aliada à pouca ou nenhuma tendência associativa do trabalhador nacional, fato explicado por Eduardo Gabriel Saad, ao lecionar que "o que acontece é que o nosso Direito do Trabalho não criou as condições propícias ao desenvolvimento dessa sociabilidade, a ponto de enrijecer a estrutura da nossa organização sindical, tornando-a sólida e forte" ("CLT comentada". 33. ed., São Paulo: LTr, 2001, p. 411), há, ainda, um abismo cultural que impede que os dirigentes, com raras exceções – que somente corroboram a regra – estejam aparelhados suficientemente para a disputa por melhores e mais dignas condições de trabalho.
Não é espanto algum, principalmente para quem teve oportunidade de participar da vida intestina de alguma entidade sindical, mormente das de menor expressão, tanto em porte quanto em capacidade postulatória, que os diretores eleitos, em sua maioria, têm certo comprometimento com a classe patronal que lhes antagoniza e, às vezes, foram plantados em seus postos para servi-la, ainda que veladamente.
Esta a tese de Ericson Crivelli, ao afirmar que "o nosso modelo trabalhista está atado a uma estrutura que, tudo leva a crer, não será beneficiada com a inovação, aparentemente pontual, como faz crer o discurso oficial. De forma diversa, será profundamente afetado por ela se for efetivamente aplicada pelos atores envolvidos no sistema, caso o aprofundamento da recessão econômica obrigue os sindicatos a utilizarem-se efetivamente do novo padrão que o projeto oficial propõe" ("Os novos caminhos da desregulamentação e flexibilização laboral no Brasil". In: Revista Genesis, Curitiba: [s. ed.], n. 33, p. 172-216, Dezembro de 2001).
É despiciendo aduzir que, numa sociedade capitalista (pseudo neo-liberal) como a nossa, o poder do capital sobre o trabalho é insuportavelmente grande, a ponto daquele esmagar a este, em nome de seus interesses.
Hodiernamente, temos presenciado a espúria formação dos mais diversos cartéis, quase sempre para atender aos anseios dos mais capacitados economicamente, até mesmo, nas fontes elaboradoras das normas vigentes (Congresso Nacional), o que resulta em legislações apartadas da realidade social, eunucas da vontade geral, decapitadas em sua gênese pela ingerência das castas dominantes.
E, quando num ato de benesse estonteante, nos deparamos com alguma atitude favorável às populações menos afortunadas, esta, em verdade, esconde alguma meta mais recôndita, mais avolumada que, se fosse pretendida em seu todo, poderia fazer cair por terra suas fontes.
É o que se nos afigura, por exemplo, com o tão anunciado "maior acordo do mundo", que visa à quitação de débito oriundo de, única e exclusivamente, ato do Governo Federal que, dolosamente, deixou de promover ao reajuste a que legalmente estava obrigado, no período dos famigerados planos Verão, Collor e Breser, nas contas vinculadas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e, agora, reconhecendo, em um crocodilesco mea cupa, seu erro, tenta tomar ares de bom moço arrependido do delito cometido em instante insano, dando com uma mão e tirando com a outra, de sorte que, ao promover descontos nos montantes finais da dívida, acaba por deixar de corrigir aos valores, em ímpar prejuízo aos credores signatários ou, ainda, com a abusiva Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras (CPMF), que perdura por anos, a ponto de ser conhecida como contribuição permanente, que deveria melhorar ao atendimento sanitário da população carente e ninguém sabe onde vão parar os imensos somatórios arrecadados, já que o caos daquele setor amplia-se cada vez mais, principalmente, após sua municipalização.
E, nunca se diga que isto representa a "luta das classes" que faz alvorecer ao progresso e deleita aos olhos dos sociólogos, porque, no caso brasileiro, quer dizer o mesmo que a formiga lutar contra o elefante, o boi contra seus algozes no matadouro, a mosca contra a aranha em sua teia – o massacre é quase inevitável.
O atrelamento da vida sindical ao arregimentar de verbas provenientes dos pactos de labor firmados entre as empresas e os membros das categorias profissionais, como mensalidades, taxas assistenciais, taxas confederativas, e a obrigação de que tais numerários sejam descontados das remunerações dos empregados pelo empregador, para, somente depois, serem repassados aos sistemas pertinentes, fez surgir uma submissão dos dirigentes dos Sindicatos aos patrões que, ante a ameaça da retenção, adquirem vantagens que, dentro da normalidade das relações intersindicais, jamais conquistariam.
Se aliarmos a este fato, nefasto e pouco meritório, a ampla campanha contrária que vem sendo colocada, ao longo dos anos (principalmente após a Carta Política de 1988, quando o movimento sindical alcançou status de protegido irrestritamente), pela classe patronal, desestimulando a adesão de seus obreiros ao mesmo e, até, colocando a massa trabalhadora contra seus representantes quase nada pode ser tido como avanço nas relações de trabalho.
Por isso, assevera Ericson Crivelli, "não se compreende a proposta oficial como instrumento de ampliação da negociação coletiva, mas como mecanismo para permitir a prática generalizada da negociação como meio de redução de direitos" (2001).
Francisco Godoy Magalhães, com propriedade, afirma que "a sorte do operário, em matéria de globalização, continua indefesa. A simples substituição da tutela estatal pela intensificação da contratação coletiva, não resolve. A volta do Estado liberal, por meio do neoliberalismo, será um desastre. O liberalismo absenteísta baseado na livre concorrência, na privatização desorganizada, não será bom para o Direito do Trabalho pátrio" ("Globalização". In: Jornal Trabalhista, Brasília: Consulex, ano XIV, n. 630, p. 32, 1997).
É correto que a globalização, acelerada não só pelo enorme avanço tecnológico alcançado pelos povos do mundo inteiro, que transformou em pó as grandes distâncias outrora existentes, tanto pelo uso, hoje indiscriminado, dos meios de telecomunicação de massa, entre eles, a substancial entrada dos microprocessadores em quase todas as searas, por mais ínfimas que sejam no mapa mundi, mas, também, pela necessidade de ampliação da maravilha capitalista, impondo aos países menos desenvolvidos um cordão umbilical inquebrantável com os mais abastados, ávidos que se encontram aqueles em busca da fonte da tecnologia que só estes podem e ousam ter, foi o termômetro do desemprego e a causa mortis da aceleração econômica do chamado bloco em desenvolvimento.
À procura de um lugar entre as grandes nações, muitos países passaram a ouvir o canto de sereia do neoliberalismo, que tem como doutrina principal a permuta de um Estado voltado para o bem estar da população por um em que a falsa noção de liberdade desatrela, cada vez mais, aquele dos fenômenos econômicos e sociais, deixando, por trás de si, enormes e inapagáveis pegadas, como recessão, privatização predatória (mesmo sabendo que o Estado é péssimo patrão, em face do culto inseparável da política em detrimento da técnica e que, em nosso específico caso, privatizar é diminuir gastos astronômicos e sem motivação plausível) e desemprego, o que fulminou potências emergentes, como, caso recente, a vizinha Argentina (conforme Eduardo Duhalde, in: "Duhalde enterra cartilha do FMI". Jornal do Brasil, Rio de Janeiro: ano CXI, n. 269, p. 10, 03 de Janeiro de 2002).
No Brasil, permite-se, até mesmo, o desvario de pretender-se aniquilar uma das mais eficientes justiças de que se pode noticiar ao longo da história do Poder Judiciário nacional, que é a Especializada do Trabalho, marco ímpar na proteção dos desejos da sociedade, ainda que enferma por um procedimento justicial extenso e cheio de recursos meramente protelatórios, que lhe enferrujam as engrenagens e lhe impedem, vez ou outra, a célere prestação jurisdicional, já que, no pensar de João Oreste Dalazen, "a Justiça do Trabalho e o processo do trabalho brasileiros vivem uma crise estrutural sem precedentes: concebidos para outorgar justiça distributiva com agilidade e presteza, têm hoje, como tônica, paradoxalmente, uma dramática morosidade, exibindo pontos de estrangulamento insuportáveis à sociedade" ("Reforma do processo trabalhista". In: Revista do Direito Trabalhista, Brasília: Consulex, ano V, n. 10, p. 16-21, 30 de Outubro de 1998) fruto de mentes desarraigadas do caráter social pelo qual se justifica e enobrece a Justiça Laboral, afeitas, apenas e tão somente, aos interesses particulares que sempre pautaram suas atitudes e vidas.
É o que emana da reflexão de Júlio Cesar do Prado Leite, quando afirma que "não se pode pretender extinguir o aparelhamento judicial especializado em solver os conflitos trabalhistas. A ele se deve, efetivamente, a paz social. Aperfeiçoá-lo, porém, é atender aos reclamos dos necessitados" ("Justiça e paz social". In: Revista do Direito Trabalhista, Brasília: Consulex, ano 5, n. 5, p. 32, 31 de Maio de 1999).
Para Arion Sayão Romita, "o defeito não está no Judiciário trabalhista nem no Direito Processual: o próprio direito material, que disciplina as relações individuais, exige uma reformulação" ("Justiça do Trabalho – necessárias distinções". In: Revista do Direito Trabalhista, Brasília: Consulex, ano 5, n. 6, p. 5-6, 30 de Junho de 1999).
É necessário dar um basta na expansão aviltante do ideal neoliberal antes que o afamado remédio termine por matar ao doente, de sorte que, no dizer de Benedito Calheiros Bonfim, "não é admissível que a evolução tecnológica, que deveria servir para reduzir a duração do trabalho, propiciar conforto, melhorar a qualidade de vida, proporcionar bem-estar, seja utilizada para provocar desemprego, causar sofrimento, multiplicar a pobreza" (1999).
Por outro prisma, a flexibilização não é nenhuma tentativa nova em nosso direito laboral, já que a própria Constituição Federal a permitiu, expressamente, quando inseriu no texto dos incisos VI, XI, XIII e XIV de seu Art. 7., a possibilidade da redução do salário, a compensação de horários, a diminuição da jornada de trabalho e o desprezo ao turno máximo de labor em regime de ininterruptibilidade laboral, através de disposição em convenção ou acordo coletivo de trabalho, além da participação nos lucros da empresa, que visa a integração entre o capital e o trabalho e um incentivo à produtividade, isenta de quaisquer encargos, que contribuiu para a negociação de percentuais como forma de ganho salarial.
Outros passos rumo a um universo jurídico flexível, foram dados pela desindexação salarial, que, segundo a elocução de Cláudia Ferreira Cruz, "ocorreu de forma geral em todos os setores da economia, contribuindo para obter a estabilidade de preços, enquanto no âmbito do direito do trabalho favoreceu a negociação por melhores salários e não mais apenas a reposição das perdas salariais, o que ocorria anteriormente, devido à inflação" ("Alterações na legislação trabalhista e combate ao desemprego no Brasil". In: Trabalho & Doutrina, São Paulo: Saraiva, n. 23, p. 14-23, 1999), com a transferência dos conflitos sindicais para o hemisfério da Justiça do Trabalho, que os tornou mais céleres e profícuos, ante a especialização das matérias ali contidas, e a não incorporação das cláusulas de acordos, convenções ou dissídios coletivos aos contratos individuais do trabalho, que aqueceu à negociação.
Ocorreu, ainda – fato de suma importância e derivado direto dos acima expendidos – a idealização do sistema de "banco de horas", em 1995, pela Ford do Brasil, através de acordo coletivo com seus trabalhadores, pelo qual estes laborariam em horas extraordinárias que seriam descontadas em dias posteriores (e não no mesmo interregno semanal, como ocorre, no caso da chamada "semana inglesa"), dentro de um mesmo ano, através da concessão de reduções no período ou de folgas, sempre que se atingisse um determinado número daquelas, visando, na inteligência de Valentin Carrion, "adaptar às necessidades do mercado suas curvas de aquecimento e esfriamento, sem despedidas coletivas" (2002, p. 107).
Lembra, com grande perspicácia, Sérgio Pinto Martins, que "o regime de compensação de horas poderá ser usado por empresas que têm acréscimo de produção sazonal ou para ciclos conjunturais. Nestes casos, a contratação e a dispensa do trabalhador eram mais onerosos para a empresa". ("Comentários à CLT". 2. ed., São Paulo: Atlas, 1999, p. 111).
A criação do Seguro-Desemprego que seria um mecanismo para amparar ao trabalhador dispensado até que o mesmo fosse reabsorvido pelo mercado, além de incentivar ao ócio remunerado, durante o período em que é concedido, não promoveu qualquer evolução no hemisfério laboral, já que não incentivou a reciclagem do obreiro, que lhe mantivesse o ritmo produtivo e acendesse o interesse empresarial no mesmo, apesar da criação do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
A redução dos encargos sociais para o meio rural, que veio através da Lei n. 9300, de 29 de Agosto de 1996, retirou sua incidência sobre os benefícios concedidos aos laboristas, como alimentação e moradia, implementado vantagens diretas apenas à classe patronal, que viu-se livre de seu pagamento, mas manteve o número de trabalhadores empregados no setor, aliás deficitário de mão-de-obra, já que a cultura tradicional do empregado brasileiro prefere passar fome nas favelas do que promover seu próprio sustento na zona rurícola.
A Lei n. 9601, de 21 de Janeiro de 1998, regulamentou o contrato individual do trabalho por prazo determinado – avançando, pelo menos teoricamente, no trato do labor temporário, já previsto pelo Art. 443, da Consolidação das Leis do Trabalho – que, ao alcançar seu termo final, retira do operário o direito ao pré-aviso e à indenização fundiária. Cláudia Ferreira Cruz, ao meditar sobre a proposição, explica que "as empresas que dele se utilizarem serão beneficiadas por uma redução de aproximadamente 42% no pagamento, incidente sobre a folha de contribuições sociais, exceto a devida à Previdência Social" (1999, p. 19).
A terceirização, como bem salienta Cássio Mesquita Barros, "na verdade, não é um fenômeno novo, nem exclusivamente brasileiro" (1999). Já teve lugar em diversos países, sendo que, em alguns, como na Itália, a mesma é terminantemente proibida, enquanto que, em outros, como no caso do Japão, a mesma é utilizada em escala larga.
Entretanto, além de ser mais uma tentativa de flexibilização, veio, apenas e tão somente, a se constituir num meio de fraude, onde as empresas prestadoras e tomadoras de serviços encontraram solo fértil para suas negociatas, livrando-se, não rara vez, de todos os encargos trabalhistas e deixando os empregados sem perceber a seus direitos, atados a um marasmo que a própria legislação lhes impingiu, mormente quando quem se utiliza do esforço laboral é um ente de Direito Público.
Outra vez, o que se rotulava de modernidade desmascara-se como mais um grande engodo, muito maior se, ao analisarmos o instituto pela ótica da jurisprudência, nos assustamos com o Enunciado n. 331, do colendo Tribunal Superior do Trabalho, que determina:
"Enunciado n. 331.
I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador de serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei n. 6.019, de 3.1.74).
II – A contratação irregular de trabalhador, através de empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública Direta, Indireta ou Fundacional (art. 37, II, da Constituição da República).
III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei n. 7.102, de 20.6.83), de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistentes a pessoalidade e a subordinação direta.
IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica na responsabilidade subsidiária do tomador de serviços quanto àquelas obrigações, desde que este tenha participado da relação processual e conste também do título executivo judicial".
Ora, sabendo-se que a maior contratante de serviços terceirizados é o Poder Público e que os de vigilância, conservação e limpeza são a grande maioria, descobrimos, sem muito esforço, a enorme desproteção de que são vítimas os obreiros, nesta hipótese, posto que, ficarão à mercê de empresas inescrupulosas, muitas vezes, constituídas com o específico fito de participar das absurdas licitações promovidas pelos entes estatais, onde o objetivo é o ganho de dinheiro e, que, fato corriqueiro, desaparecem sem deixar nenhum vestígio, naufragando as pretensões remuneratórias dos que para elas se doam em labor.
E, isso, mesmo que se diga da inconstitucionalidade de tal partícula jurisprudencial, de sorte que a Carta Magna não recepciona qualquer desigualdade de tratamento.
Mister se faz atenção ao texto do Art. 71, da chamada "Lei das Licitações Públicas" (Lei n. 8666, de 21 de Junho de 1993), que determina in verbis:
"Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.
§ 1.º A inadimplência do contratado com referência a encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere ‘a Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o registro de imóveis.
§ 2.º A Administração Pública responde solidariamente com o contratado pelos encargos previdenciários resultantes da execução do contrato, nos termos do art. 31 da Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991".
Conforme se verifica, as pessoas de Direito Público em nada são apenadas por sua pouca acuidade no trato licitatório, em prejuízo daqueles que, cotidianamente, lhes servem. A única obrigação inescusável é a previdenciária, posto que, desta, a União Federal não pode prescindir.
Torna-se necessário que se diga, sem medo de tolher grandes pensamentos que, todas estas tentativas acima arroladas, tinham um só objetivo: diminuir a horda incontrolável de desempregados que pululava em nossos conglomerados urbanos, além de, despiciendo dizer, melhorar as condições dos empregadores esmagados pelos já comentados "encargos sociais", arregimentados em verdadeiros cartéis com o fito de retirar do húmus político responsável pela elaboração das leis, todas as vantagens possíveis e imagináveis.
No entanto, como tudo o que é paliativo, não surtiram os desejados efeitos e a população de abortados do sistema produtivo cresceu assustadoramente, causando a insegurança social em que vivemos, ainda mais quando estamos num País onde, historicamente, não se tem a tradição de se cumprir normas, fruto da Carta Régia de 20 de Janeiro de 1745, onde D. João V, Rei de Portugal, adverte ao Corregedor do Crime da Corte que "as Leis costumam ser feitas com muito vagar e sossego, nunca devem ser executadas com aceleração, e que nos casos de crimes sempre ameaçam mais do que na realidade mandam, devendo os Ministros executores delas modificá-las em tudo o que lhes for possível, porque o Legislador é mais empenhado na conservação dos vassalos do que nos castigos da justiça" (apud ROSENN, Keith. "O jeito na cultura jurídica brasileira". Rio de Janeiro: Renovar, 1988, p. 33).
Para Alvin Toffler, a sociedade em que nos encontramos enfrenta "a obsolescência mais perigosa, que é a da nossa vida política...É o campo mais atrasado, onde há menos imaginação, menos disposição para mudar. Tudo parece mover-se numa inacreditável confusão de idéias e de interesses" ("A terceira onda". 4. ed., Rio de Janeiro: Record, 1980, p. 429).
O desemprego não se combate com atitudes políticas nem demagógicas mas, sim, com a estabilização da economia, com incentivos à produção, com a elaboração preventiva de programas sociais que visem à ampliação dos conhecimentos do trabalhador que, através deles, tornar-se-á especializado naquilo em que se propõe executar, tendo maior valor nos mercados de trabalho, já que – conforme evidencia Washington Luiz da Trindade – "as tentativas aventadas sugerem que o contigente jovem sem educação e preparo técnico aumenta o número dos chômeurs, isto é, dos que podem e querem trabalhar mas não chegam a bom termo" ("O combate ao desemprego passa pelo viés da dimensão do Estado". In: Trabalho & Doutrina, São Paulo: Saraiva, n. 23, p. 43-48, 1999), com uma meta de assalariamento justa e eficaz que permita a melhoria das condições de vida do operário, com dignidade e respeito.
Mesmo porque, de acordo com o juízo de José Paulo Zeetano Chahad, "os instrumentos tradicionais de ação governamental em proteger os desempregados têm dado sinais de fadiga, seja porque os dispêndios crescem muito mais rapidamente que as contribuições, seja porque estes instrumentos têm acumulado muitas distorções com as quais o Estado e a sociedade não podem mais conviver" ("O combate ao desemprego no contexto das transformações no mundo do trabalho: conceito e sugestões para o caso brasileiro". In: Trabalho & Doutrina, São Paulo: Saraiva, n. 23, p. 23-34, 1999).
Se é certo que, segundo o Livro do Gênesis, capítulo 3, versículos 17-19, "porque deste ouvido à voz de tua mulher, e comeste da árvore, de que eu tinha te ordenado que não comesses, a terra será maldita por tua causa: tirarás dela o sustento com trabalhos penosos, todos os dias da tua vida. Ela te produzirá espinhos e abrolhos, e tu comerás a erva da terra. Comerás o pão com o suor de teu rosto" (Bíblia Sagrada. São Paulo: Paulinas, 56. ed., 1987, p. 72), por outro lado, há que se proceder uma reforma ciliar nas relações de trabalho hodiernamente existentes, com a adoção de medidas que visem a coibir a exploração da mão-de-obra, como o estabelecimento do valor mínimo para a hora em regime de sobrejornada para 100% (cem por cento) acima da hora normal, o que incentivaria novas contratações em vez da ampliação das jornadas de trabalho, o fim da malsinada unicidade sindical para que se permita, ao obreiro, escolher aquela entidade que, realmente, atenda a seus anseios, sem que, como hoje tem lugar, fique atrelado a um Sindicato inoperante, omisso e, em certos casos, dominado por forças cujo objetivo não é o desenvolvimento das relações laborais mas apenas o de arrecadar fundos, necessários a interesses outros que não os associativos, fortalecendo, assim, a própria estrutura, em favor de seus agremiados, implemento das cooperativas de trabalho, coibindo aos abusos já presentes, que serviriam de verdadeiros organismos de recolocação de desempregados no mercado produtivo, a promoção de mudanças no Contrato Individual do Trabalho, tornando-o mais eficiente, adaptado às novas tecnologias, e impedindo a adesão que se nos afigura, onde o empregado pudesse discutir com o empregador as cláusulas, suprimindo aquelas que fossem nocivas e permitisse a livre negociação, inclusive salarial, a criação, por exemplo, da cassa integrazione guadagni (caixa de seguro de rendimentos), modelo italiano de proteção ao contrato de trabalho que, de acordo com Antônio Bonival Camargo, visa assegurar "um rendimento mensal para um grupo ou a totalidade dos trabalhadores da empresa que, por motivos alheios à vontade dos sujeitos da relação empregatícia, venha de se utilizar desse favor legis, suspensos os contratos, porém garantindo aos trabalhadores salários e emprego" (1999). Com a suspensão dos tratados de emprego, os salários passariam a ser pagos pela "caixa de seguro", permanecendo retidos e prevalentes todos os demais direitos oriundo daqueles. As "caixas de seguro" seriam mantidas, mensalmente, através da contribuição das empresas, baseada em sua folha regular de pagamento, em percentuais a serem estabelecidos. Estaríamos, então, protegendo ao emprego e, não, ao desempregado, como ocorre com o malfadado Seguro-Desemprego.
Cabe divagar, nesta oportunidade derradeira, sobre emprego informal que, nos últimos anos do Século XXI, tomou as ruas de nossas cidades, em suas mais diversas manifestações.
Vitimados pelo desemprego que crassa o País, delapidando a força produtiva da sociedade, fruto incontestável do achatamento financeiro que se inoculou nas esferas de produção, milhares de pessoas, com capacidade etária e física para o trabalho, viram-se obrigadas a procurar soluções para a sua própria sobrevivência.
A saída encontrada foi a do trabalho informal, que consistiu-se, em primeiro plano, da venda de mercadorias de baixo valor, como as famosas quinquilharias provenientes do país vizinho Paraguai, em barracas espalhadas pelas calçadas dos grandes centros urbanos.
Sem pagamento de impostos, regularização de firmas, alugueres e outros consectários, puderam oferecer seus produtos a preços mais viáveis que os do comércio legalmente estabelecido, assim, obtendo lucro necessário à suas próprias mantenças.
Depois, foram surgindo, derivadas ou não, outras modalidades de labor, dissociado do formalismo legal, o que, hoje, representa elevada parcela no ambiente produtivo nacional.
Diante do que foi regiamente visto em linhas transatas, podemos concluir que, tal como se nos apresenta formulada, a proposta governamental de flexibilização dos direitos sociais não representa nenhum avanço no combate ao vírus do desemprego e nem tem o condão de melhorar as condições de trabalho, pressagiando mais um embuste, dos diversos antes ofertados.
O desemprego só será realmente combatido quando tivermos uma estabilidade econômico-financeira, com uma mais justa distribuição de riquezas, com um incentivo às pequenas e micro-empresas, para que se avolumem e ampliem sua capacidade de emprego, com a melhoria das condições do campo, para que seja viável o aumento da produção alimentar, que baixará seu preço e chegará, mais facilmente, a todos – e, não, a vergonha que se tem atualmente, onde o produtor recebe R$ 0,25 (Vinte e Cinco Centavos) por um litro de leite, que é vendido à R$ 0,80 (Oitenta Centavos) ao consumidor – com escola eficiente para todos, que nivele as oportunidades, em lugar da estapafúrdia reserva de vagas, aliada a programas de reciclagem sérios, que aumentem a capacidade profissional de nosso operário, com saúde e previdência social entregues a especialistas e não a políticos e comerciantes, com o esvaziamento da máquina administrativa que, por razões meramente políticas, encontra-se obesa de fantasmas e marajás que, sequer, cabem nas repartições públicas em que estão lotados, oriundos de trens e cabides diversos, com lazer e dignidade.
Enquanto a política social enfatizada pelo Governo continuar seu caminho protecionista e demagógico, que tem fonte de vida no desespero humano, já que planifica apoio não ao reemprego mas ao desempregado. Enquanto nos faltar não só vontade mas, também, seriedade no trato com o sistema produtivo brasileiro, que encontra-se entregue a grandes grupos que, apesar de em pequeno número, detém mais de setenta por cento da renda, numa crise social sem precedentes. Enquanto tivermos um sistema financeiro caótico, distanciado de seu precípuo fim, que é o de promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade (Art. 192, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil) onde as grandes entidades bancárias absorvem as menores e promovem o caos econômico, com exercício de uma taxa de juros que beira à usura, com tráfico de influências que leva o próprio Poder Judiciário a dilacerar à Lex Legum, decidindo que o teto máximo de juros previsto em seu Art. 192, § 3., não se aplica às entidades financeiras, apesar de a elas dirigido, e do Art. 5., daquele mesmo Diploma Normativo, afirmar, in verbis, que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza", com um abuso do poder econômico evidente e impune. Enquanto acolhermos um pensamento neoliberal que tende ao suicídio, não só das empresas públicas, arrematadas por preços vis, em permuta com favores estrangeiros impostos pelo Fundo Monetário Internacional, organismo de escravidão financeira dos países terceiromundistas e seu maior algoz, mas, também de toda a sociedade que sofre de forma pungente o esmigalhamento de seu poderio de compra. Enquanto aceitarmos um salário mínimo, na mais correta acepção do termo, que indignifica a quem o recebe, enriquece quem o paga e torna nossa mão-de-obra uma das mais baratas do mundo, aviltando nossas próprias capacidades. Enquanto tivermos um sistema sindical pouco atuante e inexpressivo, que mais prejudica que ajuda ao trabalhador. Enquanto formos o País da mulata, do carnaval e do futebol e ensinarmos, em nossos bancos escolares, que somos a nação do futuro, em desenvolvimento – que nunca vem e que nos coloca, sempre, na contramão da história. Enquanto as Leis não forem feitas para todos e, não, em favor de alguns, como vem acontecendo com o lobista Congresso Nacional. Enquanto estivermos à mercê dos bandidos, que o Estado tinha a obrigação de encarcerar e não o faz, furtando nossas casas e seqüestrando nossos parentes, o que se verá não é muito diverso do que se tem hoje: exploração da mão-de-obra, discriminação dos trabalhadores acima dos quarenta anos, apesar de economicamente ativos, insegurança pública e desemprego, tão grande, que atinge, até mesmo, ao laborista de nível superior, para horror dos investidores, desespero dos habitantes e deleite dos corsários financeiros.
NOTAS
"dito formalismo produz lentidão, opera como freio na vida jurídica; e, cada vez mais, se tende a desembaraçar o direito de seu aparato protetor demasiado rígido, a rechaçar os impedimentos de outrora e a contentar-se com a vontade completamente desnuda" (tradução do autor).
"a demora excessiva é fonte de injustiça social porque o grau de resistência do pobre é menor que o grau de resistência do rico; este último, e não o primeiro, pode, sem dano grave, esperar uma justiça lenta" (tradução do autor).
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Sobre o autor
Guilherme Alves de Mello Franco

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Sobre o texto:Texto inserido no Jus Navigandi nº60 (11.2002)Elaborado em 06.2002.
Informações bibliográficas:Conforme a NBR 6023:2000 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:FRANCO, Guilherme Alves de Mello. Flexibilização dos direitos sociais: remédio para a cura do desemprego no Brasil ou simples placebo jurídico?. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, nov. 2002. Disponível em: . Acesso em:
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13 out. 2009.

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