sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Personalidade do Nascituro: Perigo de Retrocesso

Um artigo controvertido
Um dos trechos mais controvertidos do Código Civil de 1916 é o seu artigo 4º:
"A personalidade civil do homem começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro."
Vários juristas, ao longo dos anos, observaram a contradição interna do dispositivo. Da primeira parte ("A personalidade civil do homem começa do nascimento com vida") conclui-se que o nascituro não é pessoa. Seria, no dizer de vários autores, uma expectativa de pessoa (spes personae). Se não é pessoa, o nascituro não deveria ter direitos. No entanto, diz a segunda parte: "mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos [no plural] do nascituro". Ora, se o nascituro tem direitos, então ele é pessoa. Não se trata de simples "expectativas de direitos", mas de direitos atuais, dos quais o nascituro goza desde a concepção. OTÁVIO FERREIRA CARDOSO enumera os direitos do nascituro:
— ser adotado, com consentimento do seu representante legal (CC, art. 372);
— receber doação, se aceita pelos pais (CC, art. 1.169);
— adquirir por testamento, se concebido até a morte do testador (CC, art. 1.169);
— ter um Curador ao Ventre se o pai falecer e a mãe, estando grávida, não tiver pátrio poder, notando-se que, se a mulher estiver interdita, o seu Curador será o do nascituro (CC, arts. 458 e 462 e seu parágrafo único);
— ver reconhecida sua filiação e até mesmo pleiteá-la judicialmente por seu representante;
— suceder, seja legitimamente ou por testamento;
— ser representado nos atos da vida jurídica;
— ter garantia de direitos previdenciários e trabalhistas, como, por exemplo, direito à pensão por acidente profissional sofrido por seus pais;
— proteção penal garantindo-lhe a vida e o direito de nascer, etc.
É, assim, indubitável que o nascituro não tem apenas "expectativa de direitos", como querem alguns. Tem "personalidade jurídica": é pessoa natural, mesmo sem ter nascido, personalidade esta que só termina com a morte. (1)
WALTER MORAES resolve a questão fazendo distinção entre personalidade formal (não reconhecida pelo Código Civil) e personalidade material (reconhecida pelo mesmo Código, ao declarar o nascituro sujeito de direitos) (2). FRANCO MONTORO afirma com veemência que o nascituro é pessoa desde a concepção, embora não tenha qualquer capacidade de exercício e goze de uma relativa capacidade de direito (3). SILMARA J. A. CHINELATO E ALMEIDA abraça a teoria concepcionista, que defendeu em sua tese de doutorado. Para ela, a personalidade começa com a concepção, "considerando que muitos dos direitos e ‘status’ do nascituro não dependem do nascimento com vida, como os Direitos da Personalidade, o de ser adotado, o de ser reconhecido, atuando o nascimento sem vida como a morte, para os já nascidos" (4)
A solução do Pacto de São José de Costa Rica
Apesar das ilustres argumentações dos civilistas acima citados em favor da personalidade do nascituro, sempre causou certa estranheza que a primeira parte do art. 4º do Código Civil diga que "a personalidade civil do homem começa do seu nascimento com vida". Tal dispositivo, porém, foi finalmente revogado pelo Pacto de São José de Costa Rica, do qual o Brasil é signatário.
Trata-se de uma Convenção Americana sobre Direitos Humanos, subscrita em 22 de novembro de 1969. Foi aprovada pelo Congresso Nacional do Brasil em 26 de maio de 1992 (Decreto Legislativo n. 27), tendo o Governo brasileiro determinado sua integral observância em 6 de novembro seguinte (Decreto n. 678).
De fato, diz a nossa Carta Magna:
Art. 5º - §2º — "Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte".
Teria a referida Convenção força para revogar um dispositivo do Código Civil? Sim. Ao menos por sua posterioridade. Com efeito, diz o § 1º, art. 2º, do Decreto-lei n.º 4.657, de 4 de setembro de 1942 - Lei de Introdução ao Código Civil: "A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule matéria de que tratava a lei anterior".
Diz a referida Convenção em seu art. 1º, n. 2:
"Para os efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano".
Diz ainda o inciso I, art. 4ª da mesma Convenção:
"Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido por lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente".
Como se pode verificar, o Pacto de São José de Costa Rica (como é conhecida a Convenção) diz inequivocamente que "pessoa é todo ser humano", sem fazer qualquer distinção entre o ser humano em sua vida intra e extra-uterina. A expressão "desde o momento da concepção" força-nos a concluir que a palavra "pessoa" se aplica também ao nascituro.
Alguém poderia argumentar que a afirmação "pessoa é todo ser humano" só vale "para os efeitos desta Convenção" (art. 1º, n. 2). E é verdade. Um dos efeitos, porém, primordiais da Convenção é a obrigatoriedade de os Estados-Partes reconhecerem a personalidade jurídica de toda pessoa ( = "de todo ser humano"). É o que diz o art. 3º:
"Toda pessoa tem direito ao reconhecimento de sua personalidade jurídica."
A partir, portanto, de 6 de novembro de 1992, data em que a Convenção se fez direito interno brasileiro, toda "pessoa" (que, para os efeitos da Convenção, é todo ser humano), tem direito ao reconhecimento de sua personalidade jurídica.
Se, portanto, a primeira parte do art. 4ª CC/1916 não reconhecia personalidade jurídica ao nascituro, está agora revogada por força de uma lei posterior.
JAQUES DE CAMARGO PENTEADO em seu artigo O devido processo legal e abortamento (5) cita que a doutrina da personalidade do nascituro "culminou com sua consagração no âmbito internacional, tanto que o Pacto de São José de Costa Rica dispõe que ‘pessoa é todo ser humano’ (art. 1º, n.º 2). Além disso, vigora no âmbito interno, posto que adotado pelo Brasil, tanto que já se reflete na jurisprudência nacional". Ao pé da página, o autor cita uma jurisprudência:
Em boa hora se vem invocando nos Pretórios o Pacto de São José de Costa Rica (Convenção Americana sobre Direitos Humanos), que se fez direito interno brasileiro, e que, pois, já não se configura, entre nós, simples meta ou ideal de lege ferenda. É mesmo reclamável seu cumprimento integral, porque essa Convenção foi acolhida sem reservas pelo Estado brasileiro. Parece que ainda não se compreendeu inteiramente o vultoso significado da adoção do Pacto entre nós: bastaria lembrar, a propósito, pela vistosidade de suas conseqüências, que seu art. 2º modificou até mesmo conceito de pessoa versado no art. 4º do Código Civil, já que, atualmente, pessoa, para o direito posto brasileiro, é todo ser humano, sem distinção de sua vida extra ou intra-uterina. Projetos, pois, destinados a viabilizar a prática de aborto direto ou a excluir antijuridicidade para a prática de certos abortamentos voluntários conflitam com a referida Convenção (Habeas Corpus n.º 323.998/6, Tacrim-SP, 11ª Câm., v. un., Rel. Ricardo Dip, j.29.6.1998).
Na data em que escrevo este artigo, qualquer doutrinador, por mais abortista que seja, é forçado a reconhecer, a contragosto, que o nascituro é pessoa, no sentido pleno da palavra. Não é mera "expectativa de pessoa", nem é tratado "como se fosse pessoa" para certos efeitos. É totalmente inaceitável, assim, a posição de DAMÁSIO EVANGELISTA DE JESUS:
Diante do direito civil, o feto não é pessoa, mas spes personae (sic), de acordo com a doutrina natalista. É considerado expectativa de ente humano (sic), possuindo expectativa de direito (sic). Entretanto, para efeitos penais é considerado pessoa. Tutela- se, então, a vida da pessoa humana. (6)
O perigo de retrocesso
Ao assinar e ratificar o Pacto de São José de Costa Rica, o Brasil comprometeu-se a "adotar, de acordo com suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades" (art. 2º da Convenção).
Assim, o Congresso Nacional, ao instituir o novo Código Civil, deveria, em cumprimento ao compromisso assumido na Convenção, ter modificado a redação do art. 4º, a fim de assegurar a todo ser humano, nascido ou nascituro, o reconhecimento de sua personalidade jurídica. Uma boa proposta seria:
"A personalidade civil do ser humano começa com a concepção."
Lamentavelmente o novo Código Civil (Lei 10.406/2002), sancionado em 10/01/2002 e previsto para entrar em vigor em 11/01/2003, ignorou totalmente tal compromisso internacional e manteve quase integralmente as palavras do Código de 1916.
"Art. 2º - A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro."
Além de não honrar o Pacto de São José de Costa Rica, tal redação incorreu em redundância ao falar em "personalidade da pessoa". E ainda não precisou a que pessoa se fere: jurídica ou natural? Tais vícios vieram da substituição do termo "homem" pelo termo "pessoa", sem dúvida por preconceito feminista.
A partir do dia 11 de janeiro de 2003, quando o novo Código entrar em vigor, estaremos assistindo a um retrocesso em relação aos direitos humanos? Em particular, em relação ao mais débil dos seres humanos: o nascituro? Terá o novo Código capacidade de revogar o estabelecido em uma Convenção Internacional? Haverá superioridade hierárquica do Pacto de São José de Costa Rica em relação ao novo Código Civil? Para responder a esta questão, valho-me dos argumentos de FLÁVIA PIOVESAN, totalmente insuspeita por ser defensora da legalização do aborto.
Os direitos estabelecidos em Convenções Internacionais têm valor constitucional
Diz a autora acima citada:
A Carta de 1988 consagra de forma inédita, ao fim da extensa Declaração de Direitos por ela prevista, que os direitos e garantias expressos na Constituição "não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte" (art. 5º, parágrafo 2°).
Note-se que a Constituição de 1967, no art. 153, parágrafo 36, previa: "A especificação dos direitos e garantias expressos nesta Constituição não exclui outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios que ela adota". A Carta de 1988 inova, assim, ao incluir, dentre os direitos constitucionalmente protegidos, os direitos enunciados nos tratados internacionais de que o Brasil seja signatário.
Ora, ao prescrever que "os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros direitos decorrentes dos tratados internacionais", a contrario sensu, a Carta de 1988 está a incluir, no catálogo de direitos constitucionalmente protegidos, os direitos enunciados nos tratados internacionais em que o Brasil seja parte. Este processo de inclusão implica na incorporação pelo texto constitucional destes direitos.
Ao efetuar tal incorporação, a Carta está a atribuir aos direitos internacionais uma hierarquia especial e diferenciada, qual seja, a hierarquia de norma constitucional. Os direitos enunciados nos tratados de direitos humanos de que o Brasil é parte integram, portanto, o elenco dos direitos constitucionalmente consagrados. Esta conclusão advém ainda de interpretação sistemática e teleológica do texto, especialmente em face da força expansiva dos valores da dignidade humana e dos direitos fundamentais, como parâmetros axiológicos a orientar a compreensão do fenômeno constitucional. (7)
(...)
Em favor da natureza constitucional dos direitos enunciados em tratados internacionais, um outro argumento se acrescenta: a natureza materialmente constitucional dos direitos fundamentais. Este reconhecimento se faz explícito na Carta de 1988, ao invocar a previsão do art. 5º, parágrafo 2º. Vale dizer, se não se tratasse de matéria constitucional, ficaria sem sentido tal previsão. (8)
Mas esse não tem sido o entendimento do Supremo Tribunal Federal
Até 1977, o Supremo Tribunal Federal afirmava a superioridade dos tratados internacionais sobre as normas ordinárias de direito interno. Cito novamente FLÁVIA PIOVESAN:
Observe-se que, anteriormente a 1977, há diversos acórdãos consagrando o primado do Direito Internacional, como é o caso da União Federal c. Cia Rádio Internacional do Brasil (1951), em que o Supremo Tribunal Federal decidiu unanimemente que um tratado revogava as leis anteriores (Apelação Cível 9.587). Merece também menção um acórdão do STF, em 1914, no Pedido de Extradição n. 07 de 1913, em que se declarava estar em vigor e aplicável um tratado, apesar de haver uma lei posterior contrária a ele. O acórdão na Apelação Cível n. 7.872 de 1943, com base no voto de Philadelpho de Azevedo, também afirma que a lei não revoga o tratado. Ainda neste sentido está a Lei n. 5.172 de 25/10/66 que estabelece: "Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna e serão observados pela que lhe sobrevenha". (9)
Esse entendimento mudou a partir do julgamento do Recurso Extraordinário 80.004 em 1977, que adotou a tese da paridade entre o tratado internacional e a lei federal, estando ambos em mesmo nível hierárquico. A este respeito, comenta VALERIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI:
A nova posição da Excelsa Corte, entretanto, enraizou-se de tal maneira que o min. Francisco Rezek emitiu pronunciamento de forma assaz contundente, dizendo da "prevalência à última palavra do Congresso Nacional, expressa no texto doméstico, não obstante isso importasse o reconhecimento da afronta, pelo pais, de um compromisso internacional. Tal seria um fato resultante da culpa dos poderes políticos, a que o Judiciário não teria como dar remédio (Extradição n° 426, in RTJ 115/973)". (10)
Para agravar a situação, o Supremo Tribunal Federal, em julgamento do Habeas Corpus 72.131-RJ (22.11.1995), declarou explicitamente que o Pacto de São José de Costa Rica (art. 7º, VII) não tinha o poder de proibir a prisão civil por dívida do depositário infiel, prevista na Constituição Federal (art. 5º, LXVII), posição esta que foi reiterada em diversos julgamentos.
Perigo real de um retrocesso
A entrada em vigor, em 11 de janeiro de 2003, do novo Código Civil, corre o risco de marcar um verdadeiro retrocesso no que diz respeito à personalidade do nascituro. O novo Código, à semelhança do anterior, reconhece vários direitos ao nascituro, entre eles: o de receber doação mediante representante legal (art. 542), o de receber um curador (art. 1779) e o de ser beneficiado por herança (art. 1798). Mas persiste com a redação obsoleta e contraditória de que a personalidade civil só começa com o nascimento com vida (art. 2º).
Isso não seria problema se se admitisse pacificamente que os direitos estabelecidos no Pacto de São José de Costa Rica têm valor constitucional. Bastaria entrar com uma ação direta de inconstitucionalidade para declarar inválida a primeira parte do art. 2º do novo Código. No entanto, o Supremo Tribunal Federal, que "tem o direito de errar por último", é atualmente propenso a declarar que a nova lei ordinária tem o condão de afastar a aplicação de um tratado anteriormente celebrado.
Com todo o respeito devido à Suprema Corte, prevalecendo esse entendimento, seria razoável que o Brasil não mais assinasse tratados internacionais. Pois os compromissos solenemente assumidos perante as nações sempre poderão ser descumpridos por uma simples lei ordinária. Um exemplo ilustrativo é a obrigação assumida pelo Brasil no Pacto de São José de Costa Rica de não restabelecer a pena de morte:
Art. 4 –III – Não se pode restabelecer a pena de morte nos Estados que a hajam abolido.
Tal dispositivo é totalmente inócuo, uma vez que, se o legislador nacional decidir instituir a pena de morte, sua vontade prevalecerá sobre o anterior compromisso internacional. Para que servem então os tratados e convenções?
No caso do direito do nascituro à personalidade jurídica, há uma peculiaridade. A Convenção dá a tal direito tamanha importância, que ele não pode ser suspenso nem sequer em caso de guerra, perigo público, ou de outra emergência que ameace a independência e a segurança do Estado-Parte (art. 27, I e II, sobre a suspensão das garantias)! No entanto, paradoxalmente, poderá ser abolido por uma simples lei ordinária...
Que fazer?
Uma solução possível seria solicitar ao Congresso Nacional que retificasse seu erro, corrigindo a redação do artigo 2º. Está em tramitação o Projeto de Lei 6960/2002, do deputado Ricardo Fiúza (PPB/PE), que pretende alterar vários dispositivos do novo Código Civil, inclusive o artigo 2º. O relator do projeto na Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJR) é o deputado Vicente Arruda (PSDB/CE). Seria bom solicitar do relator:
- que excluísse a "opção sexual" da lista dos direitos da personalidade elencados no art. 11 do projeto;
- que mudasse a redação do art. 2º para: "A personalidade civil do ser humano começa com a concepção".
Notas
01. CARDOSO, Otávio Ferreira. Introdução ao estudo do direito. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1995. p. 216.
02. MORAES, Walter. O problema da autorização judicial para o aborto. Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, vol. 99, ano 20, p. 24-25, mar./abr. 1986.
03. MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 25. ed. 2ª tiragem. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 494-496.
04. ALMEIDA, Silmara J. A. Chinelato e. Direitos de personalidade do nascituro. Revista do Advogado, São Paulo: Associação dos Advogados de São Paulo, n. 38, p. 22-23, dez. 1992.
05. PENTEADO, Jaques de Camargo. O devido processo legal e abortamento. In: PENTEADO, Jaques de Camargo (Org.), DIP, Ricardo Henry Marques (Org.) et alii. A vida dos direitos humanos: bioética médica e jurídica. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1999. p. 152.
06. JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. 21.ed. São Paulo: Saraiva, 1999. v. 2. Parte Especial. p. 116.
07. PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 5. ed. São Paulo: Max Limonad, 2002. p. 75-76.
08. Idem p. 77-78.
09. Idem p. 85.
10. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. O STF e os conflitos entre tratados internacionais e leis internas. Correio Braziliense, Brasília: 5 ago. 2002, Caderno Direito e Justiça, p. 3.

Luiz Carlos Lodi da Cruz

Novo Tipo de Estrupo e Retroatividade Benéfica

1- INTRODUÇÃO
Fui publicada no dia 10 de agosto de 2009 a Lei ordinária de número 12.015/09, trazendo sem seu bojo uma séria de alterações no Código Penal, na Lei de Crimes Hediondos (lei 8.072/90) e no Estatuto da Criança e do Adolescente (lei 8.069/90).
No que tange às alterações no Código Penal, temos a afetação de tipos penais relativos ao título VI, antigo capítulo que se denominava "Dos crimes contra os costumes", agora adequadamente denominado de "Dos crimes contra a dignidade sexual".
Enfim, da série de análises que podem ser feitas sobre a novel legislação, opta-se por fazer um corte no ponto que certamente trará mudanças relevantes, inclusive com a necessária revisão de um grande número de julgamentos. Trata-se da unificação dos crimes de estupro (art. 213) e de atentado violento ao pudor (art. 214).
A bem de se ver, até o advento da nova lei, tinha-se o tipo penal de estupro dispondo sobre conjunção carnal (cópula vagínica) forçada e o tipo penal de atentado violento ao pudor dispondo sobre os demais atos libidinosos forçados. Agora, tem-se a unificação dos dois tipos no artigo 213, é de se ler:
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
Ocorre que, na vigência dos dispositivos penais anteriores, quase sempre o poder judiciário se viu diante de casos em que o criminoso praticava o ato sexual de maneira forçada (violência ou grave ameaça) obrigando a mulher à prática da conjunção carnal conjuntamente com outros atos libidinosos. Enfim, o estupro na maioria das vezes envolvia também outra prática sexual.
Diante disto, surgiram na jurisprudência duas possíveis aplicações: a absorção do crime menos relevante ou a regra do concurso material de crimes.
Consolidou-se nos tribunais o entendimento de que os atos libidinosos considerados mais leves praticados antes da efetivação da conjunção carnal deveriam ser entendidos como espécie de antefato impunível, de forma que restavam absorvidos pelo crime principal. Assim, atos como passar as mãos no seio da mulher estuprada acabavam não sendo punidos de forma independente, já que considerados apenas "preliminares" (praeludia coiti).
Por outro lado, nos casos em que se tinha ato libidinoso não entendido como prelúdio do estupro, ou nos casos de penetração anal, em função da gravidade do deste ato, os tribunais superiores fixaram que era caso de concurso material (art. 69 do CP) entre os crimes do art. 213 e 214, aplicando-se a regra da somatória das penas. [01]
Por muitas vezes os advogados cogitaram da aplicação da continuidade delitiva, que por força do art. 71 do Código Penal remeteria a uma pena final menor, eis que vige a regra da exasperação das penas para estes casos. Melhor explicando, a norma do crime continuado indica que se deve pegar a maior pena aplicada e aumentá-la de 1/6 a 2/3, o que representa um benefício diante da regra básica de cumulação de penas.
Contudo, tal hipótese sempre foi veementemente rechaçada pelos tribunais, sob o entendimento de que os crimes de estupro e atentado violento ao pudor não constituíam crimes de mesma espécie, exigência do próprio art. 71 do CP. Obedece-se, portanto, ao chamado "critério da rubrica", a se interpretar que crimes de mesma espécie são os que estão sob o mesmo título.
Neste passo, o que se vê na jurisprudência brasileira há muitos anos é uma enxurrada de julgados condenando os réus no concurso material entre os crimes do art. 213 e 214, justamente porque eram tipos penas independentes.
Agora, definitivamente, tais julgados deverão ser modificados. A nova lei insere o crime de atentado violento ao pudor no tipo penal do artigo 213 do CP, unificando as condutas em uma só descrição penal.

2- O NOVO ARTIGO 213

Com a nova lei, o legislador muda a configuração descrita. Doravante, havendo condutas forçadas de conjunção carnal e outras práticas libidinosas, estar-se-á diante de condutas descritas num mesmo tipo.
A realidade mostra que a imensa maioria dos casos de crimes sexuais envolve penetração vaginal e outras condutas libidinosas contra uma mesma vítima, numa relação de tempo relativamente curta. Como já dito antes, o entendimento até hoje vigente foi de que, fora os casos de atos libidinosos leves, a punição para essas condutas era a aplicação conjunta do art. 213 e 214, somando-se as penas integralmente.
Daqui pra frente, considerando a unificação das condutas no crime de estupro, será absurdo se cogitar a aplicação de pena cumulativa nesses casos, já que se tratam de ações descritas no mesmo tipo, contra uma mesma vítima. Restam apenas duas opções: a regra do crime continuado ou do crime único.
A regra do crime continuado deve ser aplicada quando se tem a prática de mais de uma conduta de mesma espécie, em condições semelhantes de tempo, lugar e modo de execução. Enfim, quando estivermos diante de atos libidinosos forçados, numa cadeia sucessiva de condutas ao longo do tempo, será forçosa a aplicação da regra de exasperação (aumento da maior pena).
A situação de crime único, por sua vez, parece ser a mais aplicável para a maioria dos casos que se apresenta nos fóruns. Esta pressupõe que haja apenas uma conduta e, para tanto, é preciso entender qual o conceito que se tem de conduta dentro do direito penal.
Colhendo nas sempre sábias palavras de Eugênio Raúl Zaffaroni [02], para termos uma única conduta é preciso que haja: (1) um plano comum e (2) uma unidade de sentido para a proibição, chamado de "fator normativo".
O conceito jurídico parte, portanto, de que mesmo um conjunto de movimentos pode ser considerado uma única conduta, desde que seja um resultado previamente planejado e que seja natural de um tipo penal que admite pluralidade de movimentos.
Caso contrário, se estivéssemos forçados a considerar cada movimento singular com uma conduta criminosa, cada penetração do pênis na vagina deveria ser considerado um crime, o que até instintivamente é inadmissível.
Nas palavras do professor argentino: "Com muito mais razão haverá uma unidade de conduta quando o tipo requer expressamente a pluralidade de movimentos, como acontece no estupro, em que se faz necessário a violência e conjunção carnal (art. 213 do CP). Haverá, pois, uma unidade de conduta quando se trate de tipos com pluralidade necessária de movimentos." [03]
Isto posto, estando agora incluídos todos os atos libidinosos forçados no mesmo tipo penal, sob a égide da lei 12.015/09, as condutas de conjunção carnal forçada e demais condutas de satisfação sexual podem ser consideradas uma única conduta.
Para tanto, é necessário se averiguar se há no criminoso uma intenção prévia de cometer as condutas, melhor dizendo, se há um único dolo, bem como se a ação vai se realizar em curto espaço de tempo.
O resultado disto é que, sob o prisma da nova lei, praticar penetração vaginal e penetração oral ou anal, desde que realizadas num espaço de tempo reduzido, é considerada a prática de uma única conduta criminosa, restando assim a aplicação de uma única pena, sem a exasperação do crime continuado.

3- LEI PENAL NO TEMPO E RETROATIVIDADE

A modificação do artigo 213 traz implicações importantes na seara do que se chama "direito penal no tempo". Numa investigação preliminar, obviamente se está diante de caso de novatio legis in mellius, ou seja, lei que insere no ordenamento novos dispositivos que vem a beneficiar o réu.
Nosso ordenamento jurídico albergou a regra da retroatividade das leis penais benéficas, o que pode ser conferido no art. 5º, XL, da Constituição Federal, bem como no art. 2º, parágrafo único, do CP.
Dita a regra que as novas leis penais, desde que tragam dispositivo mais favorável ao réu, devem retroagir no tempo para alcançar condutas praticadas sob a vigência da lei anterior. Nem mesmo a coisa julgada está a salvo dessa aplicação, podendo-se assim alterar condenações definitivas, a fim de se trazer situação jurídica mais branda.
Desta forma, como já demonstrado que a lei 12.015/09 tornou inviável a condenação em concurso material para as ações de conjunção carnal e outros atos libidinosos forçados, desde que perpetrados contra mesma vítima, pode-se dizer com tranqüilidade que se está diante de novo posicionamento jurídico que trará penas inferiores.
Como já exposto, ou se estará perante o crime continuado, quando o tempo de uma ação para a outra remeter à existência de condutas diversas, ou bem se estará diante de crime único, quando o lapso temporal entre as ações for reduzido e permitir a interpretação da existência de uma única conduta.
Em todo caso, diante do parâmetro de conduta anteriormente indicado, não mais se tem a somatória de duas penas dentro do limite de 06 (seis) a 10 (dez) anos de reclusão, mas apenas a aplicação de uma delas com o aumento do art. 71, ou enfim a aplicação de uma única pena sem qualquer aumento.
Nada mais claro concluir que, para todos os casos em que ações humanas dentro dos moldes descritos culminaram numa condenação em concurso material dos crimes do art. 213 e 214, é de se aplicar a regra da retroatividade da lei mais benigna.
Em outros termos, a realidade nos mostra que se está diante de inúmeros casos de necessária redução das penas aplicadas para os condenados naqueles termos, por força da retroatividade da lei penal.
Sendo certo que a aplicação da nova lei deve ser imediata, os juízes da execução penal deverão ter o cuidado de reavaliar as penas da maioria dos condenados naqueles termos. Mãos à obra.

Notas
Ver no STJ: REsp 1017584/SP e REsp 297581/SP. No STF: HC 95629/SP e HC 88466/SP.
ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. 2. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 721.
ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. 2. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 722.

Clécio José Morandi de Assis Lemos

domingo, 9 de agosto de 2009

Terminar o Noivado Traz Problemas?

Lourdes Sant'ana

Texto enviado ao JurisWay em 11/7/2007.

O Código Civil de 2002 em seu artigo 1.173 dispõe que: “A doação feita em contemplação de casamento futuro com certa e determinada pessoa, quer pelos nubentes entre si, quer por terceiro a um deles, a ambos, ou aos filhos que, no futuro, houverem um do outro, não pode ser impugnada por falta de aceitação, e só ficará sem efeito se o casamento não se realizar".
Este artigo consolidou a vertente doutrinária que sustentava que os presentes de casamento deviam ser devolvidos no caso de realização do matrimônio.
Os esponsais têm origem no direito romano antigo: sponsalia - indica uma promessa, um acordo pré-nupcial no qual os noivos assumem o compromisso de se casarem.. Logo os esponsais é a própria promessa de casamento que os nubentes se fazem. É o tradicional noivado.
O rompimento por si só do noivado não gera direito à indenização, pois, ninguém é obrigado a viver com outrem contra a sua vontade. No entanto, se do rompimento de tal promessa advier prejuízo patrimonial a algum dos nubentes, porque realizaram compras, contraíram dívidas, deixaram de trabalhar, etc., caberá neste caso, direito à indenização, com base no principio da responsabilidade civil, conforme dispõem os artigos 186 e 927 do NCC/02.
Não raro, são evidentes os distúrbios psicológicos para o noivo “recusado”, advindos da quebra da promessa de casamento, dando ensejo à indenização por danos morais.
Para tanto é necessário que a ruptura seja unilateral e desmotivada, para gerar responsabilidade civil subjetiva, ou seja, deve-se provar o nexo de causalidade entre a culpa do noivo inadimplente e o prejuízo sofrido pelo nubente inocente, observadosos requisitos:
1. que os noivos tenham se comprometidos por livre espontânea vontade;
2. que um dos nubentes tenha se recusado a cumprir a promessa;
3. que o descumprimento se tenha dado sem motivo justo;
4. que em razão do descumprimento tenha havido prejuízo para a outra parte, dano material e/ou moral.
As cartas, os retratos e os presentes trocados entre os noivos, bem como aqueles recebidos de terceiros em razão do compromisso de casamento, deverão ser devolvidos àqueles que os doaram.
Destarte, os esponsais são promessas recíprocas de casamento futuro e certo, no qual o homem e a mulher se conhecem e se afinam com o objetivo de se casarem. O rompimento deste compromisso não gera efeitos jurídicos por si só, contudo, àquele que se sentir prejudicado moral ou patrimonialmente, pelo descumprimento imotivado do noivo culpado, provado o nexo causal, poderá pleitear indenização.

Anulação de Casamento por Impotência

Texto enviado ao JurisWay em 25/10/2008.
Anderson Evangelista

Restringe-se o tema em estudar a possibilidade de anulação de casamento quando presente restrição sexual de um dos cônjuges.
A importância da análise proposta reside no instituto do erro essencial quanto à pessoa para fins de anulação de casamento ter recebido destaque pelo legislador derivado que nos entregou o Novo Código Civil (Lei 10.406/02).
A ineficácia do casamento pode ser subdividida em inexistência e invalidade, bem como observando a subdivisão desta em nulo ou anulável.
Cumpre registrar que a inexistência do casamento, para a corrente majoritária, se dá quando faltar: consentimento dos nubentes, diversidade de sexo ou celebração.
Cumpre destacar que somos de posição no sentido da possibilidade de casamento de pessoas do mesmo sexo (EVANGELISTA, Anderson, Homossexual tem Direito de se Casar no Brasil; Revista Âmbito Jurídico de 31/05/2008, Nº 53 - Ano XI - MAIO/2008 - ISSN - 1518-0360).
As hipóteses de invalidade são mais numerosas, uma vez que resultam de atos nulos (ofensa à ordem pública) ou anuláveis (agressão a interesses patrimoniais).
É sabido que o art. 1.550, CC prevê algumas possibilidades de anulação de casamento e que seu inciso III dispõe acerca dos vícios da vontade estampados, dentre outros, no art. 1.557, CC.
O instituto do erro essencial quanto à pessoa do outro cônjuge tem sua identificação inicial na parte geral do Código Civil, parte esta que foi relatada pelo respeitado professor José Carlos Moreira Alves.
Na parte geral (art. 138 e seguintes) podemos aprender que o erro vem a ser uma falsa percepção da realidade.
No Direito de Família o erro essencial quanto à pessoa do cônjuge tem algumas possibilidades, contudo, por opção nossa estamos restringindo o estudo à questão sexual.
O art. 1.557, III, CC narra que é considerado erro essencial quanto à pessoa do outro cônjuge a ignorância, anterior ao casamento, de defeito físico irremediável.
Aqui passamos a detalhar nosso estudo, uma vez que no caso do cônjuge desconhecer a restrição sexual de seu consorte pode buscar a anulação do casamento.
Vale lembrar que o instituto da impotência tem algumas especificidades que o permite ser analisado sob dois enfoques: generandi e coeundi ou instrumental.
Na impotência coeundi ou instrumental (restringe coabitação) temos a impotência física ou psíquica, podendo ainda esta ser absoluta (não consegue coabitar com ninguém) e relativa (só não consegue coabitar com o cônjuge).
Já na impotência generandi há dificuldade em fecundar, sendo certo que esta, em princípio, não viabiliza a anulação do casamento.
Revela-se interessante mencionar que um dos objetivos de quem casa é consumar o casamento por meio do coito (Embargos Infringentes Nº 70001036425, 4º Grupo de Câmaras Cíveis, TJ/RS), o que não ficará abalado pela impotência generandi, posto que esta restrição será apenas com relação à fecundação.
Urge destacar que o art. 1.559, CC cuida de uma questão processual, qual seja, a legitimidade para propositura da demanda visando anular o casamento contraído sob o instituto de erro essencial quanto à pessoa.
O TJ/RJ tem julgado (Apelação nº 2004.001.08192) confirmando a possibilidade de anulação de casamento por erro essencial quanto à pessoa, à luz do art. 1.557, I, CC, apesar de não acatar na demanda em comento tal pedido de anulação por ausência de comprovação da impotência do marido, ou seja, caso provada a alegação restaria aceita a anulação.
O TJ/RS (Embargos Infringentes Nº 593155328, 4º Grupo de Câmaras Cíveis) não aceitou a prova exclusivamente testemunhal para fins de identificação da esterilidade masculina, posto que o documento médico consiste em algo essencial ao deslinde da referida controvérsia.
Noutra passagem pela jurisprudência gaúcha (Apelação Cível Nº 586052615, 5ª Câmara Cível) colhemos a anulação de casamento pelo fato da mulher permanecer virgem após longo convívio conjugal.
Outra hipótese interessante também vem da jurisprudência do TJ/RS (Apelação Cível Nº 36855, 2ª Câmara Cível) e registra a hipótese do cônjuge que contraiu raras e dramáticas relações sexuais com seu consorte, o que deu ensejo à anulação do casamento por erro essencial quanto à pessoa.
É oportuno consignar que a anulação de casamento não pode ser deferida quando houver possibilidade de reversão da situação médica com um tratamento, momento em que o juízo deve, no mínimo, suspender o processo para tratamento da pessoa com debilidade física.
Vale narrar, o que pode passar desapercebido, que no caso de recusa ao tratamento o processo segue e atinge a sentença com resolução de mérito.
Outra questão que nos parece interessante é o questionamento sobre a possibilidade de casamento com pessoa impotente. Será que é possível?
A resposta afirmativa prevalece, mesmo porque até o casamento com pessoa possuidora de restrição que impossibilite a ereção masculina é possível desde que de conhecimento anterior ao casamento, posto que o legislador procura proteger a pessoa desconhecedora da real situação do seu cônjuge.
Uma outra pergunta que pode surgir é a da moléstia ser curável, o que deve ser afastado, já que o importante é o cônjuge saber a real situação da pessoa com quem contriu núpcias, isto é, sendo curável ou não a ciência anterior ao casamento elimina a possibilidade de busca pela anulação do casamento.
Nossa conclusão é no sentido de que o direito brasileiro permite a anulação de casamento por erro essencial quanto à pessoa consoante os ensinamentos dos arts. 1.550, III, 1.557, III e 1.559, todos do Código Civil, em se tratando de impotência sexual que impeça a consumação do casamento, isto é, o coito.
Ademais, o objetivo da pessoa que contrai núpcias não é ficar tolida ao acesso ao coito, mas sim o de curtir estes momento de prazer físico e de vivência do mais sublime dos sentimentos que é o amor.

A Relação Homossexual Pode Gerar Sociedade e não Herança

Danilo Santana
Texto enviado ao JurisWay em 25/11/2006.

Ainda hoje pende no parlamento, e em milhares de processos judiciais, uma definição objetiva a respeito dos reflexos jurídicos decorrentes de uma união homossexual. Vez ou outra surge alguma notícia sobre o deferimento ou negativa de direitos para o parceiro sobrevivente, ou sentença de partilha de bens no caso de fim de um relacionamento longo. Mas, nada efetivamente substancial.
Aparentemente pode parecer que persistem dúvidas com relação ao entendimento jurisprudencial e ou doutrinário nacionais a respeito da matéria, mas, não é bem assim. Dento do arcabouço legal vigente a matéria está pacificada, embora, claro, ocorram eventuais decisões destoantes.
Os tribunais são firmes em estabelecer que os bens de casal homossexual podem ser partilhados na hipótese de que cada parte comprove qual foi sua participação na constituição do patrimônio comum, e não apenas em razão da convivência em regime de companheiros. Então, importa compreender que as decisões desta natureza não reconhecem ou sequer ignoram a realidade da existência da união homossexual e, muito menos, negam ou valorizam o relacionamento afetivo dele decorrente. Estas manifestações judiciais apenas declaram que o status de uma relação homossexual, ainda que duradoura, por si só, não gera direitos.
É notório que alguns tribunais, de forma tímida, sob o ângulo social, e, agressivamente, sob a ótica jurídica conservadora, divergem com relação aos direitos dos parceiros nos longos e conhecidos relacionamentos. Este é o resultado da dinâmica do direito em seu compromisso de subserviência à cadeia normativa e em sintonia com a primazia da realidade.
Geralmente os bens do casal adquiridos na constância da união homossexual, provavelmente em face de no imaginário de cada ocorrer a certeza de que o relacionamento será duradouro, são legalmente transferidos para o nome de apenas um dos parceiros, pouco importando se ambos contribuíram para a constituição do patrimônio de forma igualitária, ou se um contribuiu mais e o outro menos, ou se apenas um cuidou de formar economia e adquirir bens.
Então, quando o relacionamento acaba de forma conturbada, ou com o falecimento de qualquer dos parceiros, a definição do direito de cada um em relação aos bens é objeto de demandas intermináveis. Na hipótese de falecimento ou interdição de um dos parceiros a demanda se estabelece entre o sobrevivente e os eventuais herdeiros do falecido.
Não é raro que o parceiro busque na justiça o reconhecimento do seu direito em herdar os bens que o outro possuía antes do início do relacionamento, ou de partilhar os bens adquiridos na constância da união, sob o argumento de que é de ser observado, por analogia, as normas que regem o direito de família e especialmente a união estável entre um homem e uma mulher.
No caso de ser admitida a analogia, surge uma situação jurídica atípica. É que, por ficção legal, evidencia-se uma sociedade de fato entre os parceiros e, nesta hipótese, em considerando o casal de homossexuais como um casal sujeito às normas da união estável, nasce o direito de partilha de todos os bens adquiridos durante o período em que estiveram juntos, independentemente da prova de que qualquer deles tenha contribuído de alguma forma para a aquisição do patrimônio.
Por outro lado, se não se reconhecer a possibilidade da analogia da relação jurídica do casal homossexual com o casal constituído por homem e mulher, restará ao judiciário a única possibilidade de deferir a partilha de bens dentro do limite comprovado da participação de cada um na constituição do patrimônio. Se não houver provas robustas com relação a esta participação, todos os bens pertencerão àquele que os tenha registrado em seu nome, ou cujo nome conste no documento de compra, ou, ainda, no caso de falecimento, o juiz deverá deferir os bens aos herdeiros legais do falecido.
Entretanto, pelo menos até que haja mudança na legislação civil e constitucional ou que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal se modifique, para que os parceiros nas uniões homossexuais obtenham direitos sobre os bens existentes em nome do outro, deverão provar judicialmente que contribuíram para a aquisição do patrimônio e não apenas pretendam obter a declaração do direito de partilha, ou herança, com base na analogia das normas que regem a união estável entre homem e mulher.
Este entendimento está respaldado na previsão constitucional de que a união estável e, por conseqüência, seus efeitos legais, só podem ocorrer entre um homem e uma mulher.
Assim, na realidade jurídica vigente, quando se trata de um relacionamento homossexual, a possibilidade da partilha de bens só poderá ser analisada como configuração de uma sociedade de fato, pura e simples.

O Papel da Língua Portuguesa na Carreira do Advogado

Texto enviado ao JurisWay em 5/6/2009.


Assim que nascemos, já temos o nosso primeiro contato com a língua portuguesa. Entramos na escola e o Português nos acompanha desde o primeiro dia de aula até a formatura. Alguns se apaixonam por ele; muitos, não querem nem sua amizade. Ocorre que, aqueles que no passado não deixaram o Português entrar nas suas vidas, hoje se arrependem e perdem muito por isso.
Sabemos que a língua portuguesa é meio fundamental de comunicação. Necessitamos dela o tempo inteiro. Falar, todos nós sabemos. Agora, falar corretamente...
Sem perceber, as pessoas que não têm intimidade com o Português, perdem muitas oportunidades na vida. Não só na vida profissional, mas na vida social e pessoal. Até quando vamos querer esconder a idéia de que saber falar corretamente é e sempre será essencial? Se aceitássemos essa idéia e buscássemos uma amizade com a língua portuguesa, veríamos que as nossas chances na vida seriam bem maiores.
Hoje em dia, a pessoa que sabe falar bem se destaca. E se passa como diferente, num país em que falar e escrever bem deveria ser comum.
Pois bem, agora que sabemos o quão fundamental é se comunicar bem, imaginemos a sua importância na esfera jurídica.
Primeiramente, vamos tratar dos concursos públicos, febre que vem aumentando nos dias atuais. Os examinadores já se deram conta do papel do Português na esfera pública e não existe um concurso sequer que não caia a matéria mais temida pelos concursandos. A exigência da língua portuguesa é obrigação que deveria vir presente em todas as provas profissionalizantes, para seleção de pessoal. Posso inclusive dizer que a Língua Portuguesa talvez seja a única matéria essencial para todas as áreas profissionais, tanto humanas como exatas, podendo ser considerada como a única que utilizamos a vida inteira, o tempo inteiro. Vai dizer que não é importante?
Agora reflitam sobre a carreira do advogado. Os advogados, profissionais que deveriam merecer extremo respeito, por buscarem fazer “jus à justiça”, sofrem grandes preconceitos. Digo-lhes o motivo: o bendito Português. O advogado que não tiver o conhecimento da sua própria língua, fica prejudicado na carreira e dá maiores chances para os concorrentes. É muito claro que se não combinarmos advocacia com a língua portuguesa, o advogado não saberá se comunicar oralmente, não saberá interpretar a lei da melhor forma e, principalmente, não saberá elaborar peças, atividade fundamental da advocacia.
Quantas vezes nos deparamos com peças mal elaboradas, sustentações orais incoerentes e interpretações sem sentido? Até mesmo a comunicação com outros profissionais do Direito deve observar as formalidades do Português. Esses pequenos detalhes resultam em pontos negativos e a culpa é inteirinha do nosso amigo tão falado.
Se já consegui convencer-lhes da indispensabilidade da nossa língua, pensem então no Exame da Ordem. Eu lhes pergunto: Por que NÃO tem Português no Exame da Ordem de Advogados do Brasil? É neste ponto que eu queria chegar. Esta é uma questão a se discutir. Tudo bem que eliminaríamos muito mais examinandos, o que significa que se eu fosse propor essa mudança no Exame da Ordem, muitos bacharéis em Direito desejariam me matar.
Agora você se pergunta: atenção, Conselho Federal, será que é tão difícil perceber que estamos cheio de advogados ruins no mercado? O Conselho até que percebeu, mas buscou uma solução equivocada: tratou de dificultar a prova da OAB em relação às matérias jurídicas. Isso gera revoltas. Ninguém pode saber tudo de tudo. Se alguém disser a você que sabe tudo de todas as matérias de Direito, é mentira. Nós nos especializamos em uma ou outra matéria, mas em todas não. Pois bem. Em vez de dificultar a parte de Direito, a solução mais plausível seria incluir a matéria de Língua Portuguesa no exame. É tão simples. Se já tem em concurso público, porque não na prova da OAB?
Deixo essa questão a ser pensada. Devemos dar mais importância ao Português, um camarada que está do nosso lado desde o momento em que nascemos e que vai nos acompanhar ao longo da nossa trajetória. Reflitam. Parem de fugir do Português e comecem a correr atrás dele antes que seja tarde.

Giulianna Louise Christofoli

A Responsabilidade Civil do Estado Por Conduta Omissiva

Marcos Antônio Santos Mangueira

INTRODUÇÃO

Este trabalho almeja apresentar os principais aspectos concernentes à responsabilidade civil do Estado em face de conduta omissiva no desenvolvimento de suas funções sociais: legislativa, judicial e administrativa. A potencialidade danosa do agente público no exercício de uma função estatal despertou nosso interesse, devido ao fato de envolver questões de direito público e privado.
Paira entre vários doutrinadores a dúvida no sentido do enquadramento da responsabilidade do Estado que segundo uns seria ramo do direito civil e para outros, está inserida no campo do direito administrativo. No entanto, nos filiamos à corrente que esta estaria melhor agrupada na seara civilista em face do fato de que o direito civil é capaz de abarcar ambas as teorias da responsabilidade subjetiva e objetiva, não sendo razoável reduzir esta última à seara pública.
O escopo deste trabalho é expor a evolução histórica da responsabilidade civil do Estado, a questão dos danos decorrentes de omissão dos Poderes Públicos, a responsabilidade estatal por atos lícitos e as excludentes da responsabilidade estatal.
1. A Responsabilidade Civil do Estado.

As pessoas jurídicas de direito público respondem pelos danos causados pela atividade administrativa, independentemente de culpa de seus funcionários, inclusive no que se refere à culpa anônima ou do serviço (art. 107 da Constituição Federal). Vigora no assunto a teoria do risco administrativo, que equivale a uma responsabilidade objetiva mitigada, vez que pode ser afastada ou diminuída pela culpa exclusiva ou concorrente da vítima, o que não ocorre na responsabilidade objetiva plena ou integral. A Constituição Federal adotou a teoria da responsabilidade objetiva do poder público, mas sob a modalidade do risco administrativo. Deste modo, pode ser atenuada a responsabilidade do Estado, provada a culpa parcial e concorrente da vítima. Não foi adotada, assim, a teoria da responsabilidade objetiva sob a modalidade do risco integral, que obrigaria sempre a indenizar, sem qualquer excludente.
A responsabilidade estatal pode ser analisada sob três aspectos: administrativo, legislativo e judiciário.
É de suma importância que se frise que a responsabilidade estatal não se confunde com a de seu agente, visto vez que este último, no exercício de suas funções, pode causar dano tanto a bens estatais quanto a de particulares. Em ambos os casos, comprovada sua culpa, deverá ressarcir os prejuízos causados. Entretanto, o cidadão lesionado em seu direito por ato decorrente do agir estatal não depende desta prova para requerer sua indenização, pois pode acionar diretamente o Estado, que responderá sempre que demonstrado o nexo de causalidade entre o ato do seu funcionário e o dano injustamente sofrido pelo indivíduo. A culpa do agente apenas será discutida em um segundo momento, caso o Estado impetre ação de regresso.
Celso Antônio Bandeira de Mello entende que a noção de Estado de Direito engloba a responsabilidade do Estado, e por essa razão não se faz necessário a imposição de regra expressa no sentido de firmar-se isto, visto que no Estado de Direito as pessoas, seja de direito público ou privado, se sujeitam à obediência das regras de seu ordenamento jurídico. Assim sendo, possuem o dever legal de responder pelos comportamentos que venham a violar o direito alheio.(Curso de direito administrativo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2005).
Hely Lopes Meireles ao se referir à responsabilidade do Estado emprega o termo "responsabilidade da administração", visto que entende que o dever de indenizar se torna obrigatório à Fazenda Pública (Direito administrativo brasileiro. 28. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 530).
A responsabilidade civil do Estado em face do cometimento, através de seus agentes, de atos comissivos ou omissivos, possui natureza objetiva, e, portanto, necessita de que seja comprovada a culpa. Em regra, a responsabilidade objetiva fundamenta-se no risco criado por determinada atividade (teoria do risco criado). O dever ressarcitório existe e não se faz necessária a apuração se houve ou não um erro de conduta.
1.1 -A Responsabilidade Objetiva da Administração no Direito Brasileiro.
A corrente da responsabilidade objetiva é a que defende a responsabilidade civil como fundamento não apenas da culpa, mas também do risco, ou seja, quem desenvolve determinada atividade deve arcar com os riscos da atividade que podem, inclusive, criar riscos para terceiros. Temos, então, que a responsabilidade objetiva visa a estimulação do cuidado que as pessoas devem possuir com estados e condições adquiridas. Essa corrente tem caráter predominantemente social.
A doutrina objetiva assenta-se em dois pólos: o dano e a autoria do evento danoso. Ela encontra lastro na teoria do risco administrativo ou risco criado, e encontra lastro no ordenamento jurídico pátrio, no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal de 1988.
Art. 37, § 6o: "As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviço público responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso nos casos de culpa ou dolo."
Logo, o Estado brasileiro, em qualquer das suas três esferas - federal, estadual ou municipal - é responsável independentemente comprovação de culpa, pelos danos causados por seus agentes administrativos a particulares. Restando verificar se a vítima contribuiu de forma culposa para o prejuízo.Em caso afirmativo, a responsabilidade será mitigada em se comprovando que houve culpa concorrente. A responsabilidade será afastada de verificado que o dano foi ocasionado por culpa exclusiva da vítima.
A Constituição de 1988 dispõe sobre a teoria objetiva com maior amplitude, estendendo-a às pessoas jurídicas privadas prestadoras de serviço público.
É relevante aduzir que o ordenamento jurídico pátrio consagra a responsabilidade objetiva do Estado pelo ato do administrador, tomando como base a teoria do risco administrativo.
A doutrina sobre a responsabilidade objetiva do Estado examina-a à luz de três teorias objetivas: a teoria da culpa administrativa, a teoria do risco administrativo e a teoria do risco integral, consoante preleciona Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 28ª ed., 2003, p. 556.).
A teoria da culpa administrativa aduz no sentido de que a obrigação do Estado indenizar advém da inexistência objetiva do serviço público. Não se leva em conta a culpa do agente público, mas tão somente a culpa do Poder Público, que se caracteriza pela ausência de serviço público. A pessoa lesada deverá comprovar a inexistência do serviço, seu mau funcionamento ou seu retardamento.
Celso Antônio Bandeira de Mello, no entanto, sustenta que a responsabilidade civil do Estado é de natureza subjetiva abrangendo apenas os atos comissivos e não os omissivos. Para o doutrinador esses atos apenas condicionam o evento danoso, pois, que são condição e não causa do dano. (Curso de Direito Administrativo. 19ª edição. São Paulo: Malheiros, 2005, pág.943).
Já a teoria do risco administrativo considera apenas o ato lesivo e injusto atribuído à Administração Pública. Nessa teoria, não se questiona sobre a culpa do Poder Público mesmo porque ela é inferida do ato lesivo da Administração. Logo, é bastante que a vítima comprove a existência do fato danoso e injusto originado na ação ou omissão do agente público. Assim, é suficiente que seja provado que o dano sofrido decorreu da atividade pública, ainda que esta não tenha exorbitado sua esfera de ingerência. O particular tem apenas de demonstrar o nexo de causalidade entre o ato da Administração e o dano, e que para este não contribuiu com atitude culposa.
Conforme a teoria do risco, os requisitos para o nascimento do dever ressarcitório são: a existência de um dano correspondente que representa uma lesão a um direito da vítima; que o ato lesivo seja praticado por funcionário da Administração Pública e que haja nexo de causalidade entre o ato comissivo ou omissivo da Administração e o dano causado.
Essa corrente contraria os argumentos de Celso Antônio Bandeira de Mello sustentando que a conduta omissiva estatal não pode ser considerada condição, mas sim causa, pois esta é todo fenômeno capaz de produzir um poder jurídico pelo qual alguém tem o direito de exigir de outrem uma prestação de dar, de fazer, ou de não fazer.
Há substituição da responsabilidade individual do agente público pela responsabilidade genérica da Administração Pública. No entanto, é relevante lembrar que o fato de haver a dispensa no que diz respeito à comprovação de culpa da Administração não impede o Estado de efetuar a comprovação da culpa, seja ela total ou parcial da vítima no sentido de excluir ou até mesmo atenuar a indenização.
Pela teoria do risco integral a Administração responsabiliza-se pelo dano experimentado por terceiro, mesmo que seja através de culpa decorrente deste, ou, mediante dolo.
Essa teoria nunca foi acatada pela doutrina e jurisprudência e em face desse fato, nunca por isso mesmo nunca foi acolhida pela Constituição Federal de nosso país.
O direito à indenização, segundo a doutrina da responsabilidade objetiva, só se faz possível estando presente as seguintes condições:
a)A efetividade do dano – concretamente deverá ser constatada a existência do dano suportado pela vítima seja ele de natureza material ou moral.
b)O nexo causal – Sempre deve haver uma relação de causa e efeito com relação à conduta do agente e o dano que se idealiza reparar. Daí poder-se afirmar que inexistindo nexo causal, ainda que identificado a incidência do prejuízo sofrido pelo credor, não há o que se cogitar em indenização.
c)Oficialidade da atividade causal e lesiva imputável ao agente do Poder público – a responsabilidade civil objetiva do Estado advém da conduta comissiva ou omissiva de seu agente quando do desempenho de suas atribuições ou a pretexto de exercê-las, não sendo relevante a alegação de prática individual do ato. O STF vem decidindo no sentido de ser irrelevante a questão da licitude ou não do comportamento funcional do agente que tenha agido em conduta omissiva ou comissiva que ocasionou o dano.
Assim, não há o que se discutir se a ação do agente decorreu de ato de gestão ou de império como abordam algumas jurisprudências no sentido de excluir a responsabilidade do Estado quando se trata de atos de império. Como uno é o Estado, qualquer que seja a natureza desses atos o que importa é que são oriundos da atuação do Estado e que são ensejadores de danos a alguém.
d)Ausência de causas excludentes - A responsabilidade civil do Estado não é absoluta em face do fato que este instituto no direito pátrio se funda na teoria do risco administrativo. A força maior ou de caso fortuito são causas excludentes da responsabilidade. Assim também, não há o que se cogitar sobre responsabilidade civil do Estado no caso em que se verifique que o dano foi causado por culpa exclusiva da vítima. Havendo culpa parcial da vítima a indenização devida pelo Estado deverá sofrer redução.
Na responsabilidade objetiva do Estado, segundo a teoria do risco administrativo, somente é afastada a responsabilidade do Ente Estatal caso este prove a culpa exclusiva da vítima, de terceiros, caso fortuito ou força maior. Não existe, por extensão, espaço nessa relação processual para discutir a culpa ou o dolo do agente público que porventura tenha sido o causador do dano. As decisões dos tribunais corroboram tal entendimento, conforme se apercebe nos julgados abaixo:
“1) CONSTITUCIONAL. Responsabilidade Civil do Estado. Seus pressupostos. 2) Processual Civil. A ação de indenização, fundada na responsabilidade objetiva do Estado, por ato de funcionário (Constituição, Art. 107 e parágrafo único), não comporta obrigatoriamente denunciação a este, na forma do art. 70, III, do Código de processo Civil, para apuração de culpa, desnecessária a satisfação do prejudicado.”(Supremo Tribunal Federal, RE- 93880/RJ, Segunda Turma, Relator Ministro Décio Miranda, DJ 05.02.82, pág. 10443)

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ART. 70, III, DO CPC. Ação de indenização. Responsabilidade objetiva do Estado. Denunciação à lide do agente público pretensamente causador do dano. Desnecessidade teoria objetiva abarcada pela Constituição Federal.
Tendo a Constituição Federal abarcada a teoria objetiva da responsabilidade, todo dano ocasionado ao particular, por servidor público, há de ser ressarcido, independentemente da existência de dolo ou culpa deste. Assim, pela via oblíqua, forçoso é de se concluir que a denunciação à lide, in casu, embora recomendável, é desnecessária à satisfação do direito do prejudicado, e não afasta a possibilidade de o denunciante requerer o direito alegado, posteriormente, na via própria, haja vista não ter o art. 70, inc. III, do Estatuto Processual Civil, norma do direito instrumental, o poder de aniquilar o próprio direito material. Precedentes. Agravo regimental improvido. (Superior Tribunal de Justiça, Segunda Turma, Decisão de20/11/2001, Agravo Regimental no Agravo de Instrumento – 396230, Processo nº 2001.00.82346-0/BA).

“ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. AGRAVO RETIDO. DENUNCIAÇÃO A LIDE. ACIDENTE DE AUTOMÓVEL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. INDENIZAÇÃO. LUCROS CESSANTES.
l. Em ação de responsabilidade civil por ato omissivo ou comissivo do servidor da pessoa jurídica de direito público, a denunciação da lide pode ser indeferida pelo juiz. Nessa ação, incumbe ao autor provar a ocorrência do fato lesivo e o dano daí decorrente. A culpa do servidor não é discutida. A Constituição Federal assegurou a pessoa de direito público a ação de regresso, independente de denunciar a lide.
2. Abalroando o motorista do carro oficial, por não atentar para as condições de tráfego, no momento, o veículo (táxi), que trafegava pela faixa que lhe era própria, em situação regular, responde o Estado pela indenização.
3. Tendo o automóvel, táxi, permanecido parada, na oficina, para conserto, impossibilitando o seu proprietário de auferir renda com a sua utilização, obrigado está o Estado a pagar os lucros cessantes.

4. Agravo retido e apelação improvidos. (Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Terceira Turma, Relator Juiz Tourinho Neto, Apelação Cível no Processo nº 1989.01.09213-1/DF, publicado no DJ 04/06/1990, pág. 11755).

1.2 - Evolução Histórica da Responsabilidade Civil do Estado
A responsabilidade civil do Estado, historicamente atravessou por diversas fases.
Inicialmente, na época dos Estados despóticos e absolutistas, não se imputava responsabilidade ao Estado em face de cometimento de lesão ao direito de alguém visto que o Estado não se encontrava na mesma relação que as pessoas físicas e jurídicas. Pelo fato de que o Estado ser o guardião da legislação, acreditava-se que o mesmo não chegaria a atentar contra a mesma ordem jurídica, até porque ela a representava. Justifica-se a irresponsabilidade do Estado sob o argumento de que ele por se tratar de pessoa jurídica não é detentor de vontade própria. Assim, este agia através de seus funcionários que se praticavam algum ilícito tinham a responsabilidade recaída sobre si mesmos. Havia a presunção de que ao praticar tais atos não o fazia investidos na qualificação de funcionários e em face disso optava-se pela irresponsabilidade do Estado.
Em seguida, no final do século XVIII após a Revolução Francesa, cuidou-se de diferenciar os atos de gestão e os atos de império. Os primeiros seriam os que o Estado realizava como se fosse um particular, quando administra seu patrimônio. Os segundos representavam os atos em que o Estado agia no exercício do poder de polícia.
Assim, surgiu a teoria de que só seria possível responsabilizar o Estado quando os atos praticados eram de gestão uma vez que não caberia o questionamento sobre a soberania do Estado. No entanto, para que o ato praticado ensejasse ação indenizatória, era necessário que fosse detectada a ocorrência de culpa do funcionário, externada na imprudência, negligência ou imperícia.
Posteriormente, a responsabilidade passou a ser civilista, onde se iniciou a firmar a responsabilidade da Administração Pública em face do cometimento de dano. No entanto, se deveria apurar ter havido culpa do funcionário público. Nessa concepção somente o agente estatal seria responsabilizado pelo cometimento do ato lesivo. Apenas num segundo momento o Estado seria responsabilizado.
A próxima fase é a que surgiu com a teoria da falha do serviço.onde se sustentava que a culpa não seria do funcionário público, mas do serviço público. Assim, haveria responsabilidade do Estado mesmo que o agente estatal não chegasse a ser identificado visto que a responsabilidade nesse caso seria proveniente da falha do serviço em face do mal funcionamento, de seu funcionamento tardio ou até pela falta de funcionamento deste. A culpa nesse caso não seria presumida uma vez que caberia ao lesado o ônus da prova do inadequado funcionamento do serviço público.
Finalmente surgiu a teoria do risco administrativo onde caberia ao Estado indenizar o dano não apenas nas situações em que se verificasse a existência da culpa do funcionário público ou proveniente de falha do serviço, mas toda vez em que fossem praticados atos ilícitos que ocasionassem em prejuízo de direito de alguém. Essa responsabilidade na verdade surgia no risco que toda atividade estatal implicaria para os administrados. Logo, a responsabilidade passou a ser objetiva restando àquele que se sentiu lesado provar a conduta do agente estatal, o dano e o nexo de causalidade entre ambos.
Surgiu nesse momento também a teoria do risco integral que sustenta que o Estado estaria obrigado a indenizar todo e qualquer dano mesmo que venha a ser produzido mediante culpa ou dolo da vítima. Essa teoria não é muito aceita por uma série de países.

1.3 - Excludentes da responsabilidade do Estado
Excluem a responsabilidade civil a ausência do nexo de causalidade, a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, a legítima defesa, o fato exclusivo de terceiro, o caso fortuito ou força maior, o estado de necessidade e a cláusula de não indenizar.

a) Ausência de Nexo de Causalidade:
Não há o que se falar em responsabilidade civil se não se comprovar a existência de uma relação de causa e efeito entre o dano e a ação ou omissão do agente direto.

b) Culpa Exclusiva da Vítima:

Não há responsabilidade civil se o evento ocorreu por culpa exclusiva da vítima, pois que. haverá uma quebra do nexo de causalidade, visto que o Poder Público não pode ser responsabilizado por um fato a que, de qualquer modo, não deu causa. Decorre de um princípio lógico de que ninguém poderá ser responsabilizado por atos que não cometeu ou para os quais não concorreu.
Se a culpa da vítima foi concorrente, e não exclusiva, a indenização terá redução proporcional que geralmente se estabelece em metade do valor devido.
No entanto, se verificada a existência de concausas, isto é, mais de uma causa ensejadora do resultado danoso, que tenham sido praticadas simultaneamente pelo Estado e pelo lesado, não há o que se falar em excludente de responsabilidade. O que se avaliará é a possibilidade de atenuação do quantum indenizatório na medida da participação no evento danoso.
É relevante salientar que a inexistência do dever de reparação no caso de culpa exclusiva da vítima, ou sua mitigação, no caso de concorrência, deve-se não ao fato de que se inocenta o Estado pela ausência de culpa, uma vez que esta não é requisito da responsabilidade objetiva, mas porque a participação da vítima para o dano opera excluindo ou atenuando o nexo causal.
No caso de haver concorrência de culpas, a doutrina e a jurisprudência não possuem posicionamentos unânimes no que diz respeito à divisão da indenização pelos danos sofridos, uns entendem que cada parte deve responder na proporção de sua participação para a ocorrência do prejuízo, enquanto outra defende deva ser a indenização dada pela metade.

c) Legítima Defesa:
A legítima defesa nada mais é do que uma variante da culpa exclusiva da vítima, por ocorrer o dano em repulsa de agressão do próprio ofendido. Mas haverá responsabilidade se terceiro for atingido, embora com ação regressiva contra o agressor.

d) Fato Exclusivo de Terceiro:
Em regra (salvo as hipóteses de responsabilidade indireta do pai, patrão, etc.), a ação ou omissão exclusiva de terceiro afasta a responsabilidade civil, em face da ausência da relação de causalidade.

e) Caso Fortuito ou Força Maior:
Não há responsabilidade civil se o fato ocorreu por caso fortuito ou força maior. Caso fortuito é o fato imprevisível, um fenômeno da natureza. Força maior é o fato previsível, mas inevitável.
A teoria do risco administrativo permite que sejam acatados o caso fortuito e a força maior como excludentes da responsabilidade do Estado, em face do fato de romperem o nexo de causalidade entre a ação do agente administrativo e a produção do resultado.
No entanto, para o Estado possa se eximir de seu dever de indenizar, se faz necessário que a ausência de nexo causal impossibilite qualquer atribuição de responsabilidade a ele. A jurisprudência concede especial atenção à característica de imprevisibilidade do dano, sem o que não se há como falar em caso fortuito ou força maior.
Pode ocorrer que a ocorrência de um fenômeno da natureza não tenha sido suficiente para excluir do Estado a sua obrigação de indenizar, mas tenha sido admitido como uma das causas eficientes para a ocorrência do dano. Nesse caso, o fato acontecido tem o condão de influenciar na determinação da quantia devida, visto que o liame de causalidade a conectar o evento danoso à atuação da Administração é mitigado pela concorrência de causas.
No entanto se faz relevante ressaltar que se o Estado deixar de realizar ato ou obra considerada indispensável e sobrevier fenômeno natural que cause danos a particulares pela falta daquele ato ou obra, portanto conduta omissiva, o Poder Público será o responsável pela reparação dos danos ocasionados, uma vez que neste caso estará presente o nexo de causalidade entre o ato omissivo e o dano. Desta forma, a causa do dano não é o fato de força maior, mas o desleixo do Estado em sendo possível prever tal fenômeno e suas conseqüências, nada ter feito para evitá-las.

e) Cláusula de Não Indenizar:

A cláusula de não indenizar, estipulada em contrato, permite que a responsabilidade civil do Estado seja afastada. No entanto, esse ponto não se faz tão pacífico na doutrina e na jurisprudência que discutem sobre a validade de tal cláusula. Normalmente ela é admitida quando for bilateralmente ajustada e se apresentando vantagem paralela e compensadora em benefício do renunciante, e não contrariar a ordem pública e os bons costumes.

f) Estado de necessidade

O estado de necessidade também se configura como causa de exclusão de responsabilidade, uma vez que representa uma situação em que prevalece interesse geral sobre o pessoal e até mesmo individual - princípio da supremacia do interesse público, caracterizado pela prevalência da necessidade pública sobre o interesse particular. Assim, quando acontecerem situações de perigo iminente, não provocadas pelo agente público, tais como guerras, em que se faz necessário um sacrifício do interesse particular em favor do Poder Público, que poderá intervir em razão da existência de seu poder discricionário, justificariam a exclusão do Estado da responsabilidade civil.

2 - A Questão da Responsabilidade do Estado por Atos Lícitos.
No caso de prática de atos ilícitos, deve-se se ater na análise do teor de injustiça do dano sofrido pelo particular, não se devendo destacar o caráter ilícito ou não da atuação do agente administrativo estatal. Assim, podemos dizer que a licitude do ato estatal não constitui excludente de sua responsabilidade, pois retira o teor de culpabilidade da ação, mas não tem o condão de interromper a cadeia causal.
Desta forma, é dever do Estado indenizar sempre que o prejuízo injusto tenha como causa exclusiva a atividade, ainda que regular, da Administração. Cumpre, portanto, não tenha sido ocasionado por força maior, fato de terceiro ou do próprio prejudicado.
3 - O Abuso de Direito.
Estado responde pelos danos que seus agentes, nesta qualidade, causem a terceiros, uma vez que estes atuam como órgão da pessoa jurídica da qual são agentes.
É necessário que, ao apurar a responsabilidade civil do Estado, se separe os atos funcionais dos que são praticados fora da qualidade funcional, que seriam atos pessoais. Assim, a responsabilidade estatal está restrita aos atos funcionais.
A princípio o Estado não responde pelo abuso de poder praticado pelo funcionário público. No entanto, quando houver dissimulação do agente estatal, capaz de levá-lo a enganar o particular que, de boa-fé, crê estar diante de agente público, o Estado não está dispensado do dever de indenizar.
Conclui-se, portanto, que o fato de o agente da Administração utilizar-se abusivamente de sua qualidade ao causar dano a terceiro não é suficiente a afastar a responsabilidade estatal. Com efeito, dada a dificuldade para a vítima em reconhecer o agir abusivo, contrariaria os princípios de justiça que a ela restasse tão somente ação contra o agente administrativo.
4 Caracteres da conduta ensejadora de responsabilidade do Estado
A responsabilidade civil do Estado surgir através de duas situações distintas, a saber: a) de conduta positiva do Estado, isto é, comissiva, no sentido de que o agente público é o causador imediato do dano; b) de conduta omissiva, em que o Estado não atua diretamente na produção do evento danoso, mas tinha o dever de evitá-lo, como é o caso da falta do serviço nas modalidades em que o serviço não funcionou ou funcionou tardiamente, ou ainda, pela atividade que se cria a situação propiciatória do dano porque expôs alguém a risco.
Celso Antônio Bandeira de Mello classifica as várias hipóteses de comportamento estatal comissivo, que lesa juridicamente terceiros; são eles: a) comportamentos lícitos: a.1) atos jurídicos; a.2) atos materiais; b) comportamentos ilícitos: b.1) atos jurídicos, ex. a decisão de apreender, fora do procedimento ou hipóteses legais, a edição de jornal ou revista; b.2) atos materiais, ex. o espancamento de um prisioneiro, causando-lhe lesões definitivas (Curso de Direito Administrativo,19a edição. São Paulo: Malheiros, 2005, pág 942).
5 - A Responsabilidade Civil do Estado por suas funções
5.1 - A Responsabilidade Civil do Estado por Ato Judicial
O Estado é responsável face ao erro judiciário. O desacerto do provimento jurisdicional deve ter como causa a finalidade objetiva e determinante do resultado, diretamente vincularia ao elemento psíquico motivador da decisão.
Tido como o mais elementar dos vícios do consentimento, o erro implica o desconhecimento ou falso conhecimento das circunstâncias de modo que se comporta o agente de uma forma que não seria a ia vontade se conhecesse a verdadeira situação.
Na culpa, logicamente, por ser normativa, não se fala em vontade consciente dirigida a um fim, mas em inobservância de dever de cautela (imprudência), agir desidioso (negligência) e descumprimento de dever profissional em determinada circunstância (imperícia). Comumente a culpa é atribuída ao serviço judiciário, anomalamente considerado, e não identificado com o ato jurisdicional causador do dano.
Em princípio deve-se procurar situar a culpa como causa do erro judiciário, identificando-a na conduta do juiz, para que só incida o fundamento da falta do serviço nos casos em que o agente causador do dano não for o juiz ou não se puder, nas circunstâncias, imputar a ele a prática de ato danoso por qualquer das modalidades atinentes à culpa.
Referida responsabilidade, no dizer de alguns doutrinadores, plasma-se no artigo 37, §. 6.º da CF, que subjetivamente já era contida no artigo 159 do extinto Código Civil Brasileiro, verbis:
ARTIGO 159. "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito ou causar prejuízo a outrem. fica obrigado a reparar o dano."
No caso do Estado a sua responsabilidade é objetiva face a Justiça ser considerado um serviço público. Não há razão que justifique excluir, como exceção, a espécie "serviço público judiciário" do gênero "serviço público geral" (Cretella Júnior, Tratado de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense,1980 pág. 15).
Conforme deduz José Cretella Júnior "a responsabilidade do Estado por atos judiciais é espécie do gênero responsabilidade do Estado por atos decorrentes do serviço público, porque o ato judicial é, antes de tudo, ato jurídico público, ato de pessoa que exerce serviço público judiciário." Acrescenta que "equipara-se o magistrado, representante do Estado, ao funcionário público para efeitos de responsabilização e o serviço de administração de justiça ao serviço público, em relação de gênero público) e espécie (judicial)." (Tratado de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense 1980; p. 31, 275, 248,1970a e 1970b.),Portanto, do reconhecimento da função jurisdicional como um serviço público decorre que o Estado deve responder pelos atos emanados no seu exercício, quando lesivos.
A responsabilidade do Estado por atos judiciais é então, uma responsabilidade por atos decorrentes do serviço público. Dizia o Min. Aliomar Baleeiro: "Não posso distinguir onde o texto não distingue. Para mim, o juiz é um funcionário público" (RTJ 61/714 e RDA 111/325).

5.2 - A Responsabilidade Civil do Estado por Ato do Administrador.
Dentro da responsabilidade civil do Estado, a da Administração é a de mais simples constatação e que menos controvérsia doutrinária suscita.
A responsabilidade administrativa é do administrador, no entanto, a civil reputar-se ao Estado, à Administração, não havendo necessidade de ser verificado se houve excesso ou abuso de poder.
O ordenamento jurídico brasileiro abraçou a tese da responsabilidade civil do Estado na Constituição Federal, artigo 37, § 6o. Segundo a Magna Carta, "o Estado responderá pelos danos que seus agentes, nesta qualidade, causarem a terceiros", independentemente de dolo ou culpa, uma vez que esta só terá importância para estabelecer o direito de regresso do Estado contra o seu agente.
5.3 - A Responsabilidade Civil do Estado por Atos Legislativos
Alguns doutrinadores estabelecem quanto ao reconhecimento da responsabilidade do Estado por atos legislativos. Estão elencados assim: a) a lei ser um ato de soberania; b) consistir a lei em norma geral, impessoal e abstrata, do que decorre ser incapaz de acarretar lesões a terceiros; c) a lei não viola direitos anteriores, porquanto a contar de sua vigência, modifica a disciplina da lei revogada; d) a responsabilidade estatal pela edição de normas legais entrava a evolução administrativa; e, e) o particular atingido é de ser tido como autor da lei, tendo em vista que, na qualidade de cidadão, elege os representantes incumbidos de elaborar o diploma legal.
No entanto, estes argumentos não se coadunam com a realidade. O primeiro, sobre a soberania, na lição do professor Adir Machado Bandeira ao citar Sérgio Cavalieri, afirma que não obsta a imputação da responsabilidade civil uma vez que “a lei como ato emanado do Legislativo não é emanado de Poder Soberano.” Caso ocorra que o Estado, na manifestação de sua atividade legiferante, venha a praticar o exercício da atividade lícita pelo particular, causando-lhe prejuízos, nascerá certamente a obrigação de indenizar.(Artigo sobre responsabilidade civil do Estado por ato legislativo).
É totalmente desproposital também a alusão de que particular participa da feitura das leis, mediante a escolha dos seus representantes, e dessa forma a responsabilidade estaria excluída, visto que nas democracias se escolhe os dirigentes máximos da Administração, através da eleição dos chefes do Poder Executivo, e nem por isso se chega a cogitar da exclusão de responsabilidade pela atividade dos funcionários públicos, os quais, quase sempre, atuam com obediência a determinação hierárquica daqueles.
Quando alguém venha a sofrer prejuízo, quer em decorrência de lei inconstitucional, quer em virtude de sua aplicação, induvidoso se torna o dever do Estado em efetuar a devida reparação.
Assim como a generalidade e abstração da lei não são suficientes para desconfigurar a responsabilidade civil do Estado por ato legislativo, como bem explica o professor Adir Machado Bandeira em artigo sobre o mesmo assunto, pois que a responsabilidade estatal surgiu amparada no cânone da isonomia. E prossegue comentando sobre o posicionamento de Rousseau de que a lei não pode conter injustiça, em virtude de representar a decisão de todo um povo (vontade geral).
Também é absurdo pensar e afirmar que a lei nova, por ter o condão de revogar a anterior e assim anular direito preexistente exime o Estado de sua responsabilidade de indenizar, visto que representa uma evolução do direito e consequentemente uma evolução social. Ora, quando uma lei é revogada, certamente o direito adquirido de alguém é violado, ferindo-se o preceituado na Constituição Federal em seu art 5º, XXXVI.
Por todos esses argumentos e tantos outros que se poderia enfatizar é que se faz clara a presença da ocorrência do dano injusto e, portanto, se sujeitando à reparação estatal aos ditames preceituados na Constituição Federal no seu art 37, § 6º da Constituição Federal de 1988.
6. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO DECORRENTE DE CONDUTA OMISSIVA
6.1 - Introdução
É notório que o Estado poderá causar danos aos administrados por ação ou omissão. No entanto, nas hipóteses de conduta omissiva, a doutrina e a jurisprudência ainda não pacificaram entendimentos, girando a divergência em torno do questionamento referente à revogação tácita ou derrogação do art 15 do Código Civil de 1916 art. 43 do novo Código Civil], frente ao artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal de 1988.
Questiona-se se a conduta omissiva do Estado poderia ensejar a responsabilidade civil, uma vez que nem toda conduta omissiva retrata uma desídia do Estado em cumprir um dever legal.
A nosso ver a responsabilização do Estado neste particular, se lastreia na idéia de cometimento de ato ilícito, pois que, haveria um dever de agir que a norma estatal impõe que em virtude da omissão do Estado teria sido violado.
Em se apurando a responsabilidade do Estado por conduta omissiva mister se faz verificar que ou quais fatos foram decisivos na configuração do evento danoso e quem estava obrigado a evitá-lo. Assim, caberá ao Estado responder em face de não ter praticado conduta adequada no sentido de evitar ou reduzir o resultado danoso, e certamente não se responsabilizará pelo fato que gerou o prejuízo a alguém, porque não deu causa a um evento proveniente de forças da natureza, como uma enchente.
É importante ressaltar que até o advento da Constituição de 1946, para a responsabilização do Estado era aplicada a regra do artigo 15 do Código Civil de 1916, numa primeira fase, regida por princípios privatísticos e, noutra, por princípios publicísticos, fundados na "falta do serviço".
Para a responsabilização do Estado, a partir da Constituição Federal de 1946, adotou-se a teoria da responsabilidade objetiva em relação às condutas comissivas, no entanto, como já enfatizamos, não existe um entendimento uno com relação à aplicação da mesma regra quando se tratar de conduta omissiva estatal.
Assim, temos duas correntes de pensamento, uma que segue os argumentos de Celso Antônio Bandeira de Mello, que defende a teoria da responsabilidade subjetiva, cuja base legal era a aplicação do artigo 15 do antigo Código Civil (Curso de direito administrativo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 623-624); e outra, que é admitida por diversos doutrinadores que se pauta na teoria da responsabilidade objetiva, aplicando-se, por conseguinte, o artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal.
6.2 A responsabilidade estatal subjetiva por conduta omissiva defendida por Celso Antônio Bandeira de Mello
No caso de haver reparação do dano em face de responsabilidade civil devido à omissão estatal, Celso Antônio Bandeira de Mello entende que deve ser aplicada a Teoria Subjetiva à responsabilidade do Estado. Para tanto se pauta na idéia de que a palavra "causarem" do artigo 37 parágrafo 6.º da Constituição Federal somente alcançaria os atos comissivos, e não os omissivos, argumentando que os últimos apenas "condicionam" o evento danoso. E, comenta o citado artigo nos seguintes termos:
“De fato, na hipótese cogitada, o Estado não é o autor do dano. Em rigor, não se pode dizer que o causou. Sua omissão ou deficiência haveria sido condição do dano, e não causa. Causa é o fato que positivamente gera um resultado. Condição é o evento que não ocorreu, mas que, se houvera ocorrido, teria impedido o resultado”.( Curso de direito administrativo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 673.)
Maria Helena Diniz, ao tratar sobre o assunto, se filia aos pensamentos de Celso Antônio Bandeira de Melo no sentido de ser aplicada a teoria subjetiva aos casos de responsabilidade do Estado por conduta omissiva, pois que há a necessidade da avaliação da existência da culpa ou o dolo. Ensina, ainda, que o artigo 15 do antigo Código Civil foi modificado só em parte pelo artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal (Código Civil anotado. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 31.)
O doutrinador José Dias de Aguiar entende que nos casos de responsabilidade civil do Estado devido a conduta omissiva, deve-se aplicar a responsabilidade objetiva, mas admite que predomina a teoria subjetiva quando o caso estudado é de falta do serviço.(Da responsabilidade civil. 10ª. ed. rev. aum. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 664).
Os tribunais algumas vezes têm seguido tal pensamento e decidido conforme apresentado abaixo:
RESPONSABILIDADE CIVIL DO PODER PÚBLICO – REVOLTA DA POPULAÇÃO – BOMBA – CULPA – Para obter a indenização contra o Estado por ter o autor sido atingido por uma bomba durante incidentes de revolta da população pela majoração das passagens de ônibus, necessária se faz a comprovação da culpa do Estado no fato (TJ RJ, Ap. 4545/90 – 6ª C.Civ. – Rel. Dês. Pestana de Aguiar – julg. 19.3.91).
Prestação de serviço de saúde mantido em hospital municipal – Necessidade da comprovação da ocorrência de comissão ou omissão decorrente de imprudência, negligência ou imperícia quer por parte do médico, quer por parte da pessoa jurídica de direito público (TJSP, RT 775/247).
6.3 A responsabilidade estatal objetiva por conduta omissiva defendida pela doutrina e jurisprudência majoritárias
O doutrinador Toshio Mukai analisa sabiamente o conceito de causa e sobre o assunto assim se expressa:
As obrigações, em direito, comportam causas, podendo estas ser a lei, o contrato ou o ato ilícito. Ora, causas, nas obrigações jurídicas (e a responsabilidade civil é uma obrigação), é todo o fenômeno de transcendência jurídica capaz de produzir um poder jurídico pelo qual alguém tem o direito de exigir de outrem uma prestação (de dar, de fazer, ou de não fazer) (MUKAI, Toshio apud LAZZARINI, Álvaro. Responsabilidade civil do Estado por atos omissivos dos seus agentes. Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo. São Paulo, n. 117, p. 16).
Já José de Aguiar Dias, que é defensor da teoria da responsabilidade objetiva, preceitua sobre o termo causa da seguinte maneira:
Só é causa aquele fato a que o dano se liga com força de necessidade. Se numa sucessão de fatos, mesmo culposos, apenas um, podendo evitar a conseqüência danosa, interveio e correspondeu ao resultado, só ele é causa, construção que exclui a polêmica sobre a mais apropriada adjetivação. Se ao contrário, todos ou alguns contribuíram para o evento, que não ocorreria, se não houvesse a conjugação deles, esses devem ser considerados causas concorrentes ou concausas (Da responsabilidade civil, 10ª. ed. rev. aum. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 252).
Assim, Aguiar Dias conclui ainda no sentido de que a inércia do Estado empenha responsabilidade civil a este e a conseqüente obrigação de reparar integralmente o dano causado, na forma do artigo 37 parágrafo 6.º da Constituição Federal; portanto, a responsabilidade é objetiva.
Celso Ribeiro Bastos entende que não há que se questionar sobre o elemento subjetivo da culpa entre o dano e o comportamento que o provocou(Direito administrativo moderno. 4ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 430).
Hely Lopes Meirelles defende a tese da responsabilidade objetiva, dispondo que esta se fundamenta no risco proveniente de sua ação ou omissão, que visam à consecução de seus fins(Direito administrativo brasileiro. 28. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2003 ,p. 431)
O insigne doutrinador Yussef Said Cahali se posiciona no sentido de que o artigo constitucional acolhe, sob o manto da responsabilidade objetiva, tanto a conduta omissiva quanto a comissiva(Da responsabilidade extracontratual da administração pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981, p. 32).
Na jurisprudência brasileira majoritariamente adota-se a idéia da responsabilidade objetiva quando se tratar de responsabilidade do Estado por conduta omissiva. A seguir expomos alguns julgados que atestam o exposto:
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - MORTE DE DETENTO. O ordenamento constitucional vigente assegura ao preso a integridade física (CF art. 5, XLIX) sendo dever do Estado garantir a vida de seus detentos, mantendo, para isso, vigilância constante e eficiente. Assassinado o preso por colega de cela quando cumpria pena por homicídio qualificado responde o estado civilmente pelo evento danoso, independentemente da culpa do agente público. Recurso improvido. Por unanimidade, negar provimento ao recurso. (STJ, RESP 5711, decisão 20.03.1991, Ministro Garcia Vieira).
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – MÁ EXECUÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS – RISCO ADMINISTRATIVO – DANO E NEXO DE CAUSALIDADE. A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público, responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, que admite pesquisa em torno da culpa do particular, para o fim de abrandar ou mesmo excluir a responsabilidade estatal, ocorre, em síntese, diante dos seguintes requisitos: a) do dano; b) da ação administrativa (comissiva ou omissiva); c) do nexo causal entre o dano e a ação administrativa. – O Município tem, por obrigação, manter em condições de regular o uso e sem oferecer riscos, as vias públicas e logradouros abertos à comunidade (TJ – RJ – Ap. 7613/94 – 6ª C.Civ. – Rel. Dês. Pedro Ligiéro – apud COAD 75286).
Indenização – Acidente de Trânsito – Sinistro ocasionado pela falta de serviço na conservação de estrada – Ausência de prova de culpa do particular, bem como de evento tipificador de força maior – Comprovação do nexo de causalidade entre a lesão e o ato da Administração – Verba devida – Aplicação da teoria do risco administrativo, nos termos do art. 37, § 6º, da CF (TJMG, RT 777/365).
Esses entendimentos nos levam a concluir que o comportamento omissivo do Estado deve ser considerado como causa do dano, e não como condição deste, como entende a corrente doutrinária subjetivista. Logo, o parágrafo 6.º do artigo 37 da Constituição Federal contempla tanto a responsabilidade por atos comissivos como a decorrente da conduta omissiva.
6.4 Considerações sobre a natureza objetiva da responsabilidade estatal por conduta omissiva
Como se verificou, os doutrinadores brasileiros se dividem em seus posicionamentos quando o assunto estudado é a responsabilidade estatal em face de conduta omissiva. Um grupo se filia à idéia de que tal responsabilidade teria a natureza objetiva. Nesse grupo podemos agrupar, entre outros autores: Yussef Said Cahali, Álvaro Lazzarini, Carvalho Filho e Celso Ribeiro Bastos. Outra corrente de estudiosos do direito entende que a natureza desse tipo de responsabilidade é subjetiva e nesse grupo podemos citar, entre outros, os seguintes doutrinadores: Celso Antonio Bandeira de Mello, Maria Sylvia Zanella Di Pietro.
Assim, Celso Antônio Bandeira de Melo ao analisar os danos advindos de atividades perigosas do Estado, afirma que mesmo as condutas que não estejam diretamente ligadas ao dano entram "decisivamente em sua linha de causação”. E assim se posiciona: "há determinados casos em que a ação danosa, propriamente dita, não é efetuada por agente do Estado, contudo é o Estado quem produz a situação da qual o dano depende".(Curso de direito administrativo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 628).
O doutrinador Yussef Said Cahali leciona no sentido de que "não parece haver dúvida de que a responsabilidade civil do Estado pode estar vinculada a uma conduta ativa ou omissiva da Administração, como causa do dano reclamado pelo ofendido". Completa seu raciocínio concluindo que "substancialmente, tais manifestações não se revelam conflitantes, sendo mais aparente o confronto que se pretende, em especial quando se considera que a própria filosofia jurídica está longe de definir a discriminação conceitual entre ‘causa’ e ‘condição’ ”. E prossegue enfatizando que a Constituição Federal, no artigo citado, não diferenciou as duas condutas, quando poderia fazê-lo. Assim, o vocábulo "causarem", do referido dispositivo, deve ser lido como "causarem por ação ou omissão". E admite que o legislador brasileiro, ao positivar sobre a responsabilidade, não poderia ter optado pela teoria objetiva apenas para os casos de conduta comissiva, visto que isso representaria um retrocesso no direito até porque a teoria objetiva já vinha sendo consagrada desde a Constituição Federal de 1946, não fazendo sentido que o mesmo legislador ao invés de avançar, optasse pelo recuo, oferecendo distinção entre as duas condutas (omissiva e comissiva).(Da responsabilidade extracontratual da administração pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981,p. 282 e 285.)
No que diz respeito ao agente estatal causador do dano o constituinte brasileiro avançou quando optou por substituir a expressão "funcionário" por "agente", que é muito mais abrangente. A responsabilidade foi estendida também para os particulares prestadores de serviço público.
Alguns autores afirmam que o que se pretendeu com toda a evolução da responsabilidade do Estado foi evitar que o lesado tivesse de provar a culpa do agente, que não é um exercício fácil.
Para Celso Antonio Bandeira de Melo a conduta omissiva da Administração é sempre ilícita. Entende que a responsabilidade do Estado nasce do fato de que este, tendo o dever de agir, não agiu. Logo, descumpriu um dever legal; agiu ilicitamente. Ousamos entender que mesmo que tal entendimento chegue a ser firmado, não estaria afastada a responsabilidade objetiva da Administração omissa, que continuaria sendo objetiva, por força de disposição constitucional expressa, restando à pessoa lesada demonstrar a conduta omissiva do agente estatal, o dano e o nexo de causalidade entre eles. Cabe ao Estado provar que não tinha o dever legal de agir, ou que, o tendo, não deixou de agir ou, ainda, que está presente qualquer das excludentes de responsabilidade, o que afastaria a obrigação de indenizar. Disso se conclui que não há necessidade de mudar a natureza da responsabilidade estatal quando se tratar de conduta omissiva. Não há razão para que se adote nesses casos a teoria subjetivista para que a Administração se desvincule do dever de indenizar; só se faz necessário que esta comprove que não tinha o dever de agir e que, dessa forma, sua conduta não foi, do ponto de vista jurídico, causa do evento danoso.
Celso Antonio Bandeira de Melo, quando explana sobre conduta comissiva decorrente de ato ilícito se posiciona no sentido de que esta gera responsabilidade objetiva, entendendo ele que tal conduta causadora do dano seria ilegítima No entanto, quando o assunto tratado é responsabilidade por conduta omissiva em face de ato ilícito, segue a linha de raciocínio de que a teoria subjetiva é a mais correta a ser aplicada.(Curso de direito administrativo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 623 e 624).
Diante de tal posicionamento resta-nos fazer alguns questionamentos: Por qual razão na conduta comissiva ilícita não se discute dolo ou culpa e na conduta ilícita omissiva aqueles elementos subjetivos são discutidos? Seria porque na primeira a conduta estatal é causa do dano e, na segunda, mera condição?
Na verdade a realidade nos impõe a raciocinar no sentido de que se existe um dano que surgiu em face de conduta estatal seja ela comissiva ou omissiva, deve ser reparado pelo Estado, sem que para tanto seja necessário debater sobre a existência ou não de culpa. Logo, a responsabilidade é objetiva.
Celso Antonio Bandeira de Melo que quando se tratar de danos causados por conduta estatal omissiva, caso o Estado seja chamado para responder objetivamente, de que se nos danos decorrentes de conduta estatal omissiva o Estado for chamado a responder objetivamente este estará sendo elevado à condição de segurador universal(Curso de direito administrativo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 626).
Ora, quando o Estado é chamado a ressarcir danos advindos de conduta omissiva ou comissiva, poderá ele defender-se e invocar as excludentes de responsabilidade. E poderá também provar que o dano não é especial nem anormal ou que não tinha o dever de agir. Dessa forma, entendemos que mesmo que seja utilizada a teoria objetiva o Estado não estará sendo contemplado com a ascensão à condição de segurador universal.
Na verdade, a fim de que se promova o ressarcimento do dano ocasionado por conduta omissiva do Estado não se faz relevante efetuar questionamentos sobre o dolo e a culpa do agente ou com relação à licitude ou ilicitude da conduta ou até sobre o bom ou mau funcionamento da Administração. O que é realmente necessário é a demonstração do nexo causal.
O próprio Código Civil de 2002 confirma a teoria objetiva em seu art 43, senão vejamos:
Art. 43 – As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.
Da leitura do artigo acima se pode dizer que ele permite a perquerição sobre a presença do elemento subjetivo, que é o dolo ou a culpa, somente na hipótese do Estado ingressar com ação regressiva em face do agente causador do dano.
6.5 O princípio da legalidade e a conduta omissiva
O princípio da legalidade é considerado como sendo o princípio maior que rege os atos administrativos, praticados pelo Estado. Assim, a administração pública somente poderá fazer ou deixar de fazer algo, se prescrito por lei. No entanto, a maioria dos atos administrativos são atos vinculados, embora os atos discricionários também obedeçam a tal princípio, uma vez que a liberdade de agir do agente esbarra no limite posto pela norma.
Quando o agente estatal descumpre o estabelecido em lei e causou dano ao particular, agiu com conduta ilícita, ferindo o princípio da legalidade. Cabe ao estado somente a reparação do dano ocasionado devido ter agido através de sue agente com conduta omissiva..
7. CONCLUSÕES
A responsabilidade civil do Estado é um instituto essencial à construção do Estado Democrático de Direito, pois assegura os direitos do cidadão face a um injusto dano causado pelo poder público a seu patrimônio. Sua objetivação coaduna-se com a doutrina mais moderna, que almeja facilitar o ressarcimento do lesionado pelo agir dos agentes públicos, mediante a dispensa da prova de culpa.
A responsabilidade visa o restabelecimento do equilíbrio violado pelo dano.
No ordenamento jurídico pátrio, já é pacífico o entendimento de que o Estado é responsável por suas condutas, sejam elas comissivas ou omissivas, que causarem danos a terceiros.
O Estado recorrerá às excludentes de responsabilidade quando acontecerem certas situações, que extraem o nexo de causalidade entre a conduta estatal e o dano. São elas: força maior, caso fortuito, estado de necessidade e culpa exclusiva da vítima ou de terceiro.
A doutrina e a jurisprudência brasileiras são unânimes no que diz respeito à natureza objetiva da responsabilidade do Estado por conduta comissiva. No entanto, no que concerne às condutas omissivas, os doutrinadores se dividem acreditando alguns ser a responsabilidade subjetiva e outros crêem que seja de natureza objetiva.
Nos filiamos à corrente da aplicabilidade da Teoria do Risco Administrativo, ou seja, da responsabilidade de natureza objetiva ao Estado, em face das condutas omissivas que vierem a causar danos a terceiros, devido ser haver dificuldades ao lesado em demonstrar a culpa ou dolo de algum agente ou que o serviço não funcionou como deveria.